DO CALIFADO DO ALGARVE
Vão anos e anos, um grande intelectual e filósofo ligado ao extinto jornal “57” propôs, com humor e sabedoria, que Portugal fosse dividido em diversos “países”, cada um com um regime político apropriado. Teríamos assim a República Popular do Alentejo, o Califado do Algarve, a República Pontifícia de Braga, o Principado da Beiras, etc.
Tratava-se, como é evidente, de uma paródia à peregrina ideia, então nascente, da regionalização.
Tal ideia fez caminho na Constituição social-comunista de 1976, ainda que com o tempero, certamente por engano, da criação simultânea de todas as regiões. Nas revisões que, devagarinho por causa do reaccionarismo do PS, vieram a, minimamente, democratizar a Constituição (1982 e 1989), ninguém se lembrou de alterar o artigo, ficando as regiões em banho-maria. O tudo ou nada paralisou a tramóia.
Ninguém se entendia - nem entende - quanto a que regiões, que critérios, que poderes, que limites, que “capitais”, etc. Para além do habitual e demagógico palavreado sobre a “descentralização” e outros clichés já gastos, as regiões mirraram nas nossas preocupações.
Até que houve quem se lembrasse de pegar no marcador e cortar o mapa aos bocados, sujeitando a coisa a referendo. O resultado foi claro. A malta não estava para isso.
Ressuscitada a regionalização por via dos equilíbrios internos do PSD, voltamos à vaca fria. Propõe-se a criação da região “piloto” do Algarve, com indisfarçado regozijo de grados exemplares, género Mendes Bota, Macário Correia ou José Apolinário, tudo alta gente de provinciana saúde mental e ambições de califa.
Não sei até que ponto Passos Coelho tem tendências maquiavélicas. Espero bem que as tenha e que a proposta, para além de servir para fazer olhinhos aos putativos futuros califas, se destine a não passar, assim metendo outra vez no saco, oxalá por muitos anos, a espúria ideia.
Se assim for, tudo bem. Se não, tudo mal.
20.09.10
António Borges de Carvalho