DA CACA CAMARÁRIA
Quando vejo por aí as recorrentes notícias sobre a “impermeabilização” do solo em Lisboa, parece-me estar a ver uma fábula da minha quase infância.
Centenas de vezes a mesma história, centenas de vezes os mesmos protagonistas, centenas de vezes as mesmas teorias repetidas à saciedade, os mesmos bonecos, a mesma preocupação “verde”.
Com o triste advento político da sinistra figura do vereador Fernandes, um novo impulso foi dado à velha história.
Ocorre perguntar porquê tanta preocupação com a “impermeabilização” e nenhuma com o saneamento básico e com o esgotamento das águas pluviais. Porquê ter as sarjetas entupidas ou enterradas nos asfaltos aldrabados que nos impingem antes das eleições? Porquê tanta demagogia com a mobilidade e nenhuma com as condições de circulação dos peões?
À custa da permeabilidade, todos os dias se torce pés e tornozelos, todos os dias se parte pernas, todos os dias há pessoas a estampar-se nos passeios cobertos com a maldita calçada portuguesa - a fim de não impermeabilizar os solos! -, coisa de que não se cuida porque não é possível cuidar, já que não há, nem jamais haverá, um exército de calceteiros capaz de manter os passeios sem buracos nem altos e baixos nem pedras arrancadas.
À custa permeabilidade dos solos, hectares e hectares de terrenos, no interior dos quarteirões, estão entregues ao lixo e ao mato, ou ocupados com barracas e barracões.
Ao mesmo tempo que se mantém a cidade “permeável”, os efeitos que a cidade sente são o contrário do que tal permeabilidade promete. Sempre que cai uma chuvada mais forte, aí estão as caves inundadas, os bombeiros num virote, o pessoal a salvar os tarecos, não só em bairros degradados, mas no centro da cidade, nas avenidas novas, por toda a parte.
Acresce que a “solução” que a CML, ó inteligência!, inventou para este problema foi a de, quando as condutas de águas pluviais estão prestes a estourar, ligá-las aos esgotos domésticos. O resultado é que, em vez de termos inundações de água da chuva, as temos de caca!
Fácil é concluir que a apregoada permeabilidade dos solos não resolve problema nenhum.
Olho cidades com menos declives que Lisboa, portanto mais difíceis de drenar.
Paris, por exemplo. Em Paris ninguém se preocupa com a impermeabilização dos solos. Estão todos impermeabilizados, à excepção, naturalmente, dos jardins. Os prédios encostam-se uns aos outros, costas com costas, desde os tempos do velho Haussman. No meio, um pátio devidamente impermeabilizado, às vezes com uns canteiros de flores, não para permeabilizar mas para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Tudo devidamente drenado. Todas as semanas, todos os regueiros e sarjetas de Paris são percorridos por água bombada do Sena, para os manter abertos e desentupidos. As caves - quase não há prédios sem elas - não se inundam, por muito que chova.
Isto quer dizer que o que falta a Lisboa não são passagens de águas para o subsolo através da permeabilidade, mas um sistema de escoamento capaz, capazmente mantido, inteligentemente gerido. São condutas à profundidade necessária. São sistemas de bombagem adequados. É manutenção, cuidado, inteligência, eficácia, em vez de demagogia. São jardins em vez de hortas “sociais”. Numa palavra, é respeito pelos munícipes e não por ideias tão idiotas quanto lunáticas e prejudiciais.
Enfim, o que falta à cidade, na drenagem como em tudo o resto, é um mínimo de preocupação com os legítimos interesses de quem não serve para outra coisa que não seja pagar impostos e taxas sem qualquer retorno em serviços ou infraestruturas, das que são necessárias, não das que são boas para a propaganda e pouco mais.
11.11.10
António Borges de Carvalho
PS. Infelizmente, não é só o poder costo-roseto-fernandesco que nos mete na fossa. Segundo os jornais, o CDS, na pessoa de um tal Monteiro, parece afinar por parecido diapasão.