QUE PENA!
Como é fácil de calcular, não tenho o senhor Mário Soares em grande conta. O que não me impede de reconhecer que, em certos momentos, tomou atitudes e decisões que foram ao encontro dos nossos interesses colectivos e que obstaram a consequências muito negativas para Portugal.
Numa manifestação daquilo a que alguns chamarão grandeza de alma, e a que eu chamarei pragmatismo, ou bom senso, Soares opôs-se à caça às bruxas, isto é, soube contribuir para estancar tendências, manifestas em certos sectores, para a perseguição dos apoiantes do regime do Estado Novo. Achou, e bem, que, para que Portugal pudesse conhecer alguma paz interna, era preciso pôr uma pedra sobre certas matérias que o entusiasmo da mudança poderia levar longe demais.
Tiro-lhe o chapéu por isso. Há momentos em que a justiça em relação ao futuro se deve sobrepôr à que ao passado se refere.
Para borrar esta pintura, o senhor Soares, no patético estrebuchar da sua vida política, perdeu o sentido da medida das coisas. O senhor Soares é, nem mais nem menos que uma das "personalidades internacionais" que apoiam a "Comissão da Verdade", organização que, sob a alta inspiração do senhor Sapateiro e seus sequazes, vai investigar a repressão havida em Espanha depois da guerra civil. Não se trata, como, a contrario sensu, o nome poderia indicar, de uma investigação histórica isenta e desinteressada, mas da criação de uma entidade, politicamente inspirada, destinada a anatemizar atitudes e condenar pessoas por actos eventualmente praticados há sessenta anos, ou mais, ressuscitando ódios e malquerenças que uma Espanha democrática e tolerante há muito esqueceu. Trata-se de um erro de palmatória, próprio de pides e torquemadas, destinado a dividir os espanhóis em bons e maus, só que os bons de hoje serão os maus de ontem, e vice-versa.
É triste que a idade e o vício da notoriadade levem o senhor Soares a esquecer a tolerância e o bem senso que, em cartas matérias, caracterizaram positivamente a sua vida.
António Borges de Carvalho