FILOSOFIAS
Raramente perco tempo a falar de comentadores menores, tipo Mário Soares ou V.J. Silva, cujo recorrente “lema” é sempre o mesmo, a saber: as soluções para a crise são inventadas pelos culpados da dita, todos “neo-liberais” por definição, destinando-se a prolongar os seus privilégios à custa dos inocentes...
Hoje, porém, li um artigo assinado por Miguel Portas, que acho merecer alguma consideração. Quanto mais inteligente e até mais sábia é uma pessoa, mais perigosas se tornam as suas análises, se partirem de premissas inválidas ou se se servirem de instrumentos viciados.
Segundo ele, as violentíssimas manifestações a que temos assistido na Grécia, no Reino Unido e em Itália, são justas e bem fundadas. Ninguém, diz ele, é feliz condenado a casar cada vez mais tarde e a viver em casa dos pais ou dos avós até aos 30 ou aos 40.
Erro crasso. Não é, de forma alguma, a crise económica que provoca o fenómeno a que se refere. Trata-se de um tendência social que começou muito antes de qualquer crise, e que tem muito mais a ver com o chamado planeamento familiar e com a justa ascensão da mulher a postos a que, antes, dificilmente teria acesso. Bem ou mal, as pessoas cuidam primeiro da carreira e da experiência, só depois se metem, quando metem, nos trabalhos que uma família dá. É muito mais por isso do que por falta de meios que se vão deixando estar em casa dos pais. Nunca, como nos últimos anos, a compra de uma casa e a disponibilidade de meios que tornam mais fácil a opção de casar, estiveram tão à mão da juventude.
Foram, as decisões “sociais” de pôr meios, isenções fiscais, juros sem significado, à disposição das pessoas, o que engordou a crise. Nos EUA, onde a esquerda liberal tomou semelhantes atitudes, foi o que se sabe. Por cá, a monumental estupidez da lei do arrendamento, agravada com as alterações que o senhor Pinto de Sousa demagogicamente lhe introduziu, veio, mais uma vez por razões “sociais”, empurrar as pessoas para o endividamento e para o imobilismo, assim ajudando a aprofundar a crise. O casamento tardio nada tem a ver com o assunto, antes se poderia dizer o contrário.
Depois, defende Miguel Portas que foi posta em andamento uma máquina infernal de transferência de rendimentos, ou seja, que o dinheiro dos nossos impostos e dos impostos dos nossos filhos foram mobilizados em socorro do sistema financeiro que nos mergulhou na crise.
Olhe para o seu país, Dr. Miguel Portas. Olhe o desperdício que por aí vai, há anos e anos, com justificações “sociais”. Olhe os problemas da nossa banca: são problemas de banditismo e de rotundo falhanço do Estado “social”, não da banca. E, se a banca tem problemas, vêm eles dos seus créditos ao Estado, gerido por megalómanos e estúpidos cheios de preocupações “sociais” a que acrescem os cidadãos por ele enganados na voragem das “vantagens” “sociais” pelo poder criadas, não da gestão bancária que seguiu o caminho que o poder lhe apontou ou se serviu dos atractivos das políticas “sociais” dos governos. Se o Estado se arruína a “salvar” o insalvável (o BPN) ou a procrastinar a questão do BPP, não é porque esteja a proteger a parte da banca arruinada por “cavalheiros de indústria”, é porque, sendo socialista, não deixa funcionar as regras do capitalismo segundo as quais os bancos em causa, nesta altura, já não eram problema para ninguém pela simples razão que já não faziam parte do mundo dos vivos.
Caro Dr. Portas, esta coisa de arranjar um bode expiatório para tudo e mais alguma coisa, sempre o mesmo, é uma limitação intelectual que, podendo ser muito “marxista”, não só não é inteligente como não leva a parte nenhuma.
Os decisores europeus não estão, como o Sr. diz, a impor aos seus povos… uma máquina infernal… que transforma a dívida privada em dívida pública… sendo o dinheiro dos nossos impostos e os impostos dos nossos filhos mobilizados em socorro do sistema financeiro que nos mergulhou na crise.
O que os decisores políticos fazem, entre nós e não só, primeiro, é gastar dinheiro em trafulhices universais como as alterações climáticas, as políticas “sociais”, os investimentos idiotas e outras práticas suicidárias, segundo, é pôr as pessoas, via impostos e taxas, a pagar essas maluquices, os “ordenados” de centenas de milhar de inúteis, as megalomanias cretinas, a propaganda desbragada.
Entretanto, a “malandragem” dos bancos deixa de ter dinheiro para meter na economia, para gerar emprego, para proporcionar benefícios sociais propriamente ditos, isto é, os que a economia poderia pagar sem se arruinar o país.
A culpa, meu caro senhor, não é do sistema financeiro, salvaguardados os casos de polícia. É das filosofias, tão “sociais” como idiotas, que levam as pessoas a ter, como necessidade fundamental, ser dono de uma casa – veja lá se os alemães têm casas!, as empresas a ter, como cliente de eleição, o Estado, as famílias a pensar que, se não “puxarem ao coco”, têm na mesma tudo o que precisam à disposição, a culpa é do socialismo que as coloca na dependência do fisco e da coisa pública, não de si próprias, é da sacrossanto imobilismo social que o “direito ao trabalho” – invenção do socialismo - metendo na cabeça de cada um que o trabalho lhe era devido como prebenda “social” e não que cada um deve o trabalho, antes de mais a si mesmo. Quando se brama, como o Sr. e seus ideológicos companheiros, contra a “precariedade”, o que se “defende” é o desemprego, os recibos verdes, os contratos a prazo, os ordenados miseráveis, etc.
A “riqueza das nações” não estará no laissez faire laissez passer, mas, de certeza certezinha, jamais esteve na entrega dos cidadãos nos braços do Estado. A riqueza das nações está em inverter o processo, isto é, em transformar o Estado numa emanação da sociedade e não esta numa emanação daquele.
O problema de fundo, o problema do futuro, Dr. Miguel Portas, não é saber se Bruxelas trata mal ou bem da crise, é ir filosofando como o senhor filosofa. Enquanto se reduzir o problema à velha questão dos maus e dos bons, como o senhor faz, não vamos a parte nenhuma.
18.12.10
António Borges de Carvalho