O QUE A REPÚBLICA MANDA
Numa belíssima casa, com uns cem anos de idade, bem tratada, bem conservada, bem mantida, bem habitada, com todas as comodidades e padrões modernos, cercada por um jardim, sem vizinhos paredes meias, houve um incêndio que lhe consumiu o telhado, e mais teria consumido não fora a intervenção dos bombeiros.
Cito, ipsis verbis, a notícia do DN de ontem:
A Polícia Judiciária vai investigar os fogos ocorridos em menos de 24 horas em dois prédios devolutos de Lisboa colocando em risco os ocupantes dos edifícios vizinhos. Para a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais, os proprietários dos prédios sem condições e desabitados deviam ser devidamente identificados e obrigados a pagar a taxa de protecção civil - que as autarquias vão passar a cobrar.
O edifício (aquele a que este post se refere) onde ontem, pelas 11 horas, deflagrou um incêndio foi desocupado há um ano. Era ali que funcionava a esquadra da PSP…, mas a falta de condições do edifício conduziu ao seu encerramento. Segundo fonte dos sapadores bombeiros, as chamas consumiram a cobertura do edifício na Rua…
Por segurança os prédios mais próximos foram evacuados e o trânsito cortado.
Esta “notícia” diz praticamente tudo o que haverá a dizer sobre o ambiente político-informativo em que vivemos.
A saber:
- Não há nenhuma investigação da PJ, nem razão para tal, uma vez que é conhecida a causa do incêndio (uma lareira);
- Não houve nenhuma ameaça para os prédios vizinhos uma vez que não há prédios vizinhos;
- O incêndio não ocorreu num prédio devoluto, mas numa casa habitada e bem conservada;
- O incêndio não teve lugar em casa alguma onde alguma vez tivesse havido uma esquadra da PSP;
- Houve uma esquadra da PSP perto do edifício cujo telhado ardeu, mas tal esquadra, abandonada, está inteirinha;
- Não tenho notícia de evacuações dos prédios vizinhos, porque não os há num raio de uns 50 metros, mas admito que tal tenha acontecido, por precaução;
- Não foram postos em risco os seus ocupantes;
- O trânsito foi cortado, não por estar ameaçada a segurança da circulação, mas para permitir a movimentação das viaturas dos bombeiros.
Parece que a única verdade contida na “notícia” será a que se refere a mais uma taxa municipal proveniente do socialismo camarário, taxa destinada a extorquir ainda mais dinheiro a proprietários que andam a ser espoliados pelo Estado desde a fundação da República. O que, quanto a conservação de imóveis, nem sequer tem a ver com o incêndio em apreço.
Tudo isto não passaria de mais um dos milhares de momentos em que quem tiver conhecimento fáctico de algum caso fica banzado com a capacidade de imaginação de certos “jornalistas” e de certos órgãos de “informação”.
Mas vai mais além. O que esta “notícia” nos diz é que, trinta e tal anos depois do comunismo e do socialismo terem tomado conta deste país, os suspeitos do costume continuam na “consciência nacional”. Tudo o que de mal acontece se deve aos mesmos. Não interessa investigar, sequer informar-se, sobre a origem dos males. Os culpados estão identificados. São os proprietários das casas, são os que fizeram alguma coisa da vida, são os patrões, são os que cometem o crime de, por princípio, nada ter a ver com quem diz “pensar” nesta miserável terra, são os que compraram acções e ganharam dinheiro com elas, em suma todos os que são “maus” por definição, os que não estão do lado dos “bons” por definição.
Que importa se a culpa não é deles? Não dizia o lobo ao cordeiro “se não foste tu foi o teu pai”?
É o caso. O proprietário da casa que ardeu (a sua casa!) não é um canalha de um senhorio que deixou o Estado dar-lhe cabo do património e deve ser taxado pela Câmara, roubado pelo fisco, arruinado pela lei?
Não é, mas devia ser.
Por isso, meus amigos, em Portugal a “notícia” do jornal do amigo Oliveira está certa, certíssima, é o que a República manda!
28.12.10
António Borges de Carvalho