NÃO PAGAMOS!
Aqui há uns anos, os brilhantes estudantes da Nação organizaram inúmeras manifestações contra as propinas. Não pagamos, era o slogan, cantado e gritado pelas ruas fora. Sabe-se no que a coisa deu.
O slogan volta agora à baila por causa dos malefícios que o senhor Cravinho causou ao país quando andou para aí a convencer o pessoal que as auto estradas, para alguns, eram de borla. O desenvolvimento ia ser de tal monta que ia haver dinheiro a rodos para as pagar.
Não houve desenvolvimento nenhum. Nem há dinheiro para pagar auto-estrada nenhuma.
Daí que, aborrecidos com o facto de passar a ser iguais aos outros, os utentes das auto-estradas “à borla” renovam o “não pagamos”, fazem associações cívicas destinadas ao nobre efeito, desdobram-se em iniciativas de protesto. Não pagamos!
O governo, em mais uma das suas habituais manifestações de inteligência, apesar de haver pelo país fora um sistema de cobrança a funcionar a contento, resolve complicar as coisas arranjando um novo, de tal maneira bem concebido que nem quem o inventou o conseguia pô-lo a funcionar. Um ano depois do prazo que a si próprio estabeleceu, o governo começa a cobrar.
Os aborrecidos, munidos de pareceres de distintas luminárias da nossa arena, protestam, que se trata de regiões deprimidas, que as alternativas não prestam, que que que.
Ninguém explica a esta malta que alternativas são as auto-estradas, que fazer nelas um percurso a 120 à hora com poucas curvas e pouco trânsito, as mais das vezes é muito mais barato do que era andar às voltas pelas serras acima e pelas serras abaixo. Bem merece ser pago. Quem não queira pagar, tem boa solução: não usar a alternativa, que é a auto-estrada, e meter-se ao caminho como sempre fez.
Mas a “indignação popular”, dantes conhecida por vandalismo, tem os seus caminhos. Vai daí, sedenta de justiça, desata a queimar as portagens, a incendiar pneus, etc.
O distinto porta-voz e representante das associações “cívicas” apressara-se a declarar que “compreende perfeitamente” e que até acha que os autores destas e “de outras” coisas o género podem estar descansados quanto à “compreensão” das “comissões de utentes”. Estão antecipadamente “compreendidos”. Podem fazer o que lhes vier à cabeça.
Assim vai o civismo - ou o cinismo - nacional. Uns cometem crimes de sabotagem, de poluição, de perturbação de serviços e vários outros “de perigo comum” e de outras naturezas. Outros, incitam a que mais crimes se cometam.
Tudo se passa como se o Código Penal não existisse, a procuradoria da República fosse uma miragem, a polícia andasse a dormir. Que é o que se passa.
Postas as coisas na opinião dos vândalos e de quem os incita ao vandalismo, trata-se de legítimas manifestações de pobres injustiçados, condenados a pagar o que o Cravinho tinha dito que era de borla. Em vez de agradecer aos demais o tempo em que lhes andaram a pagar as portagens, e os anos em que continuarão a pagá-las, em vez de se solidarizar, não senhor, partem a loiça e são uns heróis.
Algo me diz que essa coisa do estado de direito à portuguesa tem que ser revista.
30.12.10
António Borges de Carvalho