ELOGIO DO ANONIMATO
Tenho sido acusado por alguns dos meus leitores de dizer mal de tudo, de ser um verrinoso e impenitente crítico de coisas que, vejam lá, toda a gente elogia.
A fim de contrariar estas bem intencionadas observações, apresento-me hoje numa postura encomiástica. Que diabo, se calhar os meus amigos têm razão: do que há bem a dizer, que se diga, ou seja, que eu o diga.
Tenho à minha frente um número do “Jornal de Negócios” que, na secção “Opinião dos Leitores”, insere extractos de dois escritos, um assinado por Zenónico, outro por o presidente. Os textos reproduzidos, que refectem a bestialidade e a ignorância, tanto do Zenónico como do o presidente, não são dignos de referência.
Mas é-o a magnífica postura do jornal em causa, que publica as opiniões em que, eventualmente, a sua ideologia se refecte, tendo o extremoso cuidado de o fazer a coberto de merecido anonimato.
Assistimos, na generalidade da imprensa, a esta prática, tão merecedora de admiração e respeito. Ele é os Blogs com nomes electrónicos que não correspondem a nada, por conseguinte anónimos, ele é os Zenónicos e os o presidente, a dar-nos, por todos os lados, esta reconfortante sensação de liberdade que consiste em poder dizer o que nos vier à cabeça sem que tenhamos que assumir qualquer responsabilidade, sem que seja quem for nos possa chamar a atenção, criticar, condenar ou elogiar por isso. Trata-se, sem sombra de dúvida, do desenvolvimento do nosso livre arbítrio, coisa que nos enriquece e nos faz sentir mais jóvens, mais actuantes, mais interventores, mais integrados na democracia participativa, mais influentes, mais realizados, mais socréfios.
Para orgulho e felicidade de todos nós, lemos por aí que, por mor de uma denúncia anónima, o procurador A ou o polícia B deram início a uma investigação profunda sobre a vida do senhor C. Lemos por aí que o computador do senhor D foi assaltado pela polícia porque um denunciante anónimo disse que havia horríveis crimes no disco duro.
Há que saudar, com a maior alegria, esta evolução das formas de actuação dos poderes públicos, cientes de que estamos agora muito mais bem defendidos contra abusos vários susceptíveis de perturbar o nosso sossego.
Ah! Como é reconfortante esta sensação de poder! Se não gostarmos de um tipo qualquer, um chato que nos incomoda, que nos perturba, bastar-nos-á mandar a quem de direito uma cartinha anónima para que o canalha se veja investigado, assaltado pela polícia, metido nos varais! É tão bom, não é? Se o tipo não for tão irritante assim, sempre haverá uma hipótese mais moderada: chateá-los através de um blog, onde assinamos Zenónico, ou coisa do género, ou de mandar um email para o Jornal de Negócios, ou equivalente, a comunicar ao mundo as nossas zenónicas opiniões.
É, ou não, de elogiar o novíssimo sistema? Acho que sim. Aqui fica, para que conste, o testemunho da minha mais profunda consideração.
E não venham acusar-me outra vez de dizer mal de tudo e mais alguma coisa.
António Borges de Carvalho