HORRORES
1. Os políticos, e certos altos funcionários, são obrigados a declarar bens e rendimentos, seus movimentos e situações, ao Tribunal Constitucional. Os dados arquivados são públicos, estando à disposição dos cidadãos para consulta.
Reza a moral vigente que os atingidos por esta medida não devem ser objecto de privilégios especiais em virtude dos cargos que ocupam ou para que foram eleitos.
Sempre fui contra isto. Acho que o simples facto de se ser eleito, ou escolhido para certas posições é, de si, um legitimíssimo privilégio. Acho que, para o bom desempenho das respectivas funções, necessário é que a tais pessoas seja dada uma série de privilégios, quer dizer, de vantagens de que o comum dos cidadãos não disfruta. Com toda a justiça.
Recusar privilégios é uma coisa, que não aceito mas posso fazer um esforço por compreender. Atribuí-los pela negativa, que é o que a Lei faz, outra coisa é, e completamente diferente. Se o que se pretende é afastar pessoas da vida política e das responsabilidades públicas em geral, não há melhor solução do que fazê-las inferiores às demais, tornando-as a priori suspeitos das mais refinadas tropelias e pondo a sua vida pessoal à mercê de todo o bicho-careta.
Admitiria, não concordando, a obrigatoriedade das declarações, se elas ficassem à guarda do Tribunal. Poderiam ser usadas, para fins judiciais ou judiciários, e só para isso, quando suspeitas houvesse de malfeitorias praticadas por algum dos declarantes. Opinião pessoal, politicamente incorrecta e contra a moral vigente. Esqueça-se.
Demos, pois, de barato, que está certa a obrigatoriedade e a natureza pública das declarações, nada impedindo o cidadão comum que se interesse pela vida dos outros de consultar os processos relativos a cada um dos atingidos, mesmo que para tal não tenha outro motivo que o de mórbida curiosidade.
Quando um jornal, como o Diário de Notícias (eventuamente vítima da sua nova, e interina, direcção), escarrapacha, em brutais manchetes, nas primeiras páginas do caderno principal e do de economia, os negócos privados e pessoais do Governador e demais Administradores do Banco de Portugal, estamos perante o quê? Curiosidade mórbida? Repugnante comercialismo? Entorse aos mais elementares princípios de vida em sociedade? Inveja? Intenção de provocar inveja? Brutal falta de respeito pelas pessoas? “Frete” feito a alguém?
A resposta é: de tudo um pouco, com certeza. A mais horrível miséria moral que imaginar se possa, vertida em letra de forma e dada a conhecer a toda a gente.
Mais horrível ainda é que tudo se passa na mais estrita legalidade. As declarações são públicas, podem utlizar-se como se quiser, como se fossem certidão de conservatória, escritura, registo, cartaz.
Não colhe o argumento de que “quem não deve não teme”. O facto de “não dever” é pressuposto que a todos se aplica, até prova em contrário. “Não dever” não implica, antes pelo contrário, que seja tornado público, muito menos comunicado a todos, o que cada um faz ou deixa de fazer ao que é seu.
A Lei é imoral, injusta, repugnante. A moral vigente é imoral, injusta, repugnante. Pior ainda é o Diário de Notícias quando faz o que fez.
2. O “Expresso” de 17 de Fevereiro parangonava “PGR investiga Patrick Monteiro de Barros”.
Em 24 de Fevereiro, o director do suplemento de economia do mesmo jornal, um senhor que usa exibir-se de papillon, alegando “reacções” que considera inadequadas à coisa, vem fazer o panegírico da investigação jornalística em geral, e da que conduziu à citada manchete em particular.
O senhor Barros é suspeito de crime, única razão que justifica uma investigação da PGR. É o que a manchete diz. O demais escrito pode ser esclarecedor, mas é palha.
É claro que, da “explicação” produzida pelo senhor do papillon em 24.02, facilmente se pode concluir que o senhor Barros usou um relatório de um corrector para informar uma operação de bolsa. O que é, rigorosamente, o que todos os investidores fazem. Se tal relatório foi, ou não, motivado por informações ilegais, é coisa que se poderá investigar. Ou seja, o senhor Barros só será “culpado”, ou “suspeito”, se tiver sido ele a “encomendar” o relatório. Portanto, o primeiro “suspeito”, se o houver, é o corrector. O senhor Barros virá, se vier, a seguir.
O que o “Expresso” de 17.02 faz é lançar aos quatro ventos a suspeita sobre o senhor Barros. Por mero sensacionalismo, ou por razões que podem ter a ver com lutas intestinas e recados de investidores rivais? Não é voz corrente que o “Expresso” é, desde sempre, o melhor jornal de recados da nossa praça?
O efeito almejado, e conseguido, é lançar lama sobre o senhor Barros, lama de que se não livrará, uma vez que a manchete lá está, e de lá se não pode tirar.
Com que intenção? Bom, quanto a isso, o melhor é perguntar ao exibicioniosta do papillon.
António Borges de Carvalho