EXPRESSAS FANTASIAS
No tempo em que os animais falavam, para exprimir o resultado do acto de romper, usava-se a palavra rotura (do português roto – adjectivo verbal do verbo em causa). Havia as roturas dos canos, as roturas do que estava roto, calças meias, etc.
Não havia roturas de relações. Ainda que as relações se rompessem, a língua portuguesa era suficientemente rica para ir buscar ao latim a palavra ruptura, com significado semelhante mas grafia diferente e diversa aplicação.
Hoje, tempo em que os animais deixaram de falar e foram substituídos pelos intelectuais da moda, o “Expresso” traz a seguinte manchete: “Sócrates e Teixeira dos Santos em rutura total".
(Até o corrector ortográfico do computador, coisa antiquada, se arrepiou todo quando escrevi isto).
Ficámos sem saber se os ilustres protagonistas da tal manchete estão ou são rotos, caso em que o problema seria deles já que eram objecto de um brutal erro de ortografia, ou se, entre eles, se tinha dado alguma ruptura (o corrector, desta, gosta), sendo, na mesma, vítimas de criminoso pontapé na gramática.
Fatal engano! O que os intelectuais do “Expresso” fazem é usar o acordo ortográfico para escrever ruptura, sem ter em conta que estão a desconceptualizar a língua, a empobrecê-la, a desrespeitá-la.
É o que dá a reverência estúpida ao politicamente correcto, à “modernidade” ou ao supremo valor da petulância.
Um jornal que, em boa coerência, tem o topete de se arrogar o direito de fazer, sob a inspiração da dona Edite, uns “concursos da língua portuguesa” que não passam de um mar de corrupções e corruptelas, de erros primários de ortografia, de sintaxe e, sobretudo, de total desconhecimento de um mínimo de lógica linguística, tem com certeza o direito de escrever como escreve.
Nós é que não temos obrigação nenhuma de aturar sem um urro este tipo de parvoíces.
22.4.11
António Borges de Carvalho