POBRES DE NÓS!
Quando José Saramago proferiu a máxima “Fazer de cada cidadão um político”, ou se enganou ou estava a pensar nos regimes em que sua ideologia foi ou é aplicada e em que o conceito de cidadão e de político se aplica aos membros do PC que souberem seguir, sem tergiversar, as ordens do comité central.
Esta nobre máxima é o leit motiv da rapaziada da manifestação à rasca, que agora se institucionalizou. Pelo menos, é com tal emblemática expressão que abre o seu manifesto.
Nada a dizer. Querem fazer um “movimento”, pois que o façam em total liberdade.
Em boa coerência, nem precisariam de se legalizar. Podiam aplicar o conceito das coisas de facto que, como os “casamentos”, passam, por encanto e à vontade do freguês, a ser de jure, com a notável consequência de passar a ser indiferente cumprir ou não cumprir a lei e assumir ou não as responsabilidades de cada um perante terceiros.
Parecia que era esse o espírito da manifestação. Coisa inorgânica, que declarava querer ficar-se por aí.
Deu-se o oposto: acaba de ser registado o M12M, Movimento Cívico Geração à Rasca, com liderança, direcção, assembleia-geral e conselho fiscal. Como manda a lei. Muito bem.
Indo um bocadinho mais longe, vemos que o objectivo máximo da coisa é combater a “precariedade”. A nossa juventude, acima de tudo, acha que o empreguinho para o resto da vida é um nobre ideal, um valor, um direito.
Pobres de nós, que andámos, ou andamos, a mourejar para ter uma vidinha decente. Os nossos “filhos”, pelo menos os do M12M, que são muitos, não querem progredir na vida de outra forma que não seja com diuturnidades e “progressões automáticas”, na certeza que nada nem ninguém os poderá pôr na rua ou exigir seja que esforço for, já que a “sociedade” tem a “obrigação” de lhes pagar, de os alimentar, educar, de lhes tratar da saúde, hoje, amanhã, sempre, aconteça o que acontecer. Se não fosse estúpido, era só desgraçado.
A título de parêntesis, três pequenas histórias:
- Aqui há anos exercitava o IRRITADO os seus dotes na língua alemã (muito inferiores, diga-se, aos do inglês técnico do primeiro-ministro), num táxi, em Hamburgo. O motorista era um rapaz novo. Da conversa, concluiu que o rapaz era licenciado em direito, mas não tinha emprego. Já tinha andado na apanha de maçãs e servido à mesa num restaurante barato. Dizia-o sem complexos. Quando aparecesse um trabalho em que pudesse aplicar os seus conhecimentos, óptimo. Até lá, preciso era não estar parado. Quando comparo isto com os nossos licenciados – há-os aos pontapés, dado o estado do ensino – e penso quantos moldavos e romenos andam ao pinhão, ou a cortar cortiça no Alentejo, sem que haja um único português que se ofereçapara tais tarefas, ainda que razoavelmente pagas, vejo a diferença.
- Esta, esta bem fresquinha, é a história de um casal de comerciantes remediados de Lisboa, cuja filha, gloriosamente, se licenciou em psicologia, ou coisa que o valha. Confessavam-me, ofendidíssimos, que alguém tinha oferecido à rapariga um emprego como dama de companhia de uma senhora de idade. Não queriam mais nada! A “doutora”, concluí, ainda que bem paga, o que era o caso, prefere não fazer nenhum a tratar de uma velhota até que melhor apareça.
- Esta não é bem uma história, ou seja, é a história dos enfermeiros. A distinta classe fez uma barulheira dos diabos porque queria melhores salários. Até aqui, tudo normal. O problema é saber porque o queriam. Porque estavam mal pagos? Porque trabalhavam mais horas? Porque mereciam ser melhor pagos? Nada disto. Os enfermeiros achavam-se no direito a mais dinheiro porque tinham passado a licenciados, isto é, tratava-se de uma questão de secretaria!
Fecho o parêntesis e passo a debruçar-me sobre as reivindicações dos à rasca – o M12M.
Querem mobilidade para poder progredir na vida? Nem pensar!
Querem tomar iniciativas que impliquem trabalho, e apoio para isso? Cais quê!
Querem que se crie condições para que haja mais oferta de trabalho? O que é isso?
Oferecem-se para tarefas sociais pagas? Que ideia!
Vejamos então o que eles querem:
Querem, como já disse, “acabar com a precariedade”. Foi para isso, confessa uma professora doutora “mãe” da iniciativa, que fizeram a manifestação.
Querem “reconhecimento partidário” (?), coisa de que se “sentem marginalizados”.
Segundo outro senhor do M12M, o movimento é “laico, pacífico e apartidário”.
Nas palavras do mesmo senhor e da outra senhora:
Querem apresentar uma iniciativa legislativa para proibir a precariedade.
Querem uma auditoria às contas públicas.
Querem um referendo para não se pagar a dívida soberana.
Querem “politicas alternativas”.
Querem lutar contra a “deterioração das condições de trabalho”.
Qurem pôr cobro ao desmantelamento dos direitos sociais”.
Ou seja: o M12M repete, tim-tim por tim-tim, os slogans do Carvalho da Silva, do Jerónimo, do Louçã e do Pinto de Sousa – este só quando lhe convém, se outra coisa lhe convier outra coisa dirá.
Apartidários uma ova!
Com esta agenda, igualzinha à da extrema-esquerda, mais o indómito objectivo de ser pago para existir, mais uma indisfarçável vontadinha de não fazer nenhum, mais estar convencido de ser inteligente, pobres deles e pobres de nós todos.
Para acabar em beleza, eis como se cantava há para aí cem anos, com óptimos resultados. Podia servir de hino ao M12M:
Vivó socialismo!
Vivó Fontana!
Vivó descanso sete dias na semana!
Vivó socialismo!
Vivó Menezes!
Vivó descanso toda a vida e mais seis meses!
Frum fum fum!
24.4.11
António Borges de Carvalho