PÚBLICAS VIRTUDES
Desde que, nos idos de 82, o Dr. Magalhães Mota, já falecido, inaugurou a perseguição aos políticos com a célebre lei das declarações de património, e não só, nunca mais os políticos deixaram de perder qualidade, nunca mais deixou de imperar o compadrio e, até, a corrupção.
As pessoas de bem, as que têm a alguma coisa, ou muito, a perder – não estou a falar de dinheiro, ou só de dinheiro - foram-se afastando à medida que o escrutínio público fazia caminho e era fornecida à população, em doses maciças, a impressão de que os políticos, pelo simples facto de o ser, não mereciam consideração nem confiança, antes leis e vigilâncias especiais.
Os bem-intencionados cuidados do Dr. Magalhães Mota tiveram, com o rolar dos tempos, as mais perversas consequências, entre as quais avulta, como gritante exemplo, o facto de um indivíduo da categoria pessoal, mental e cultural do senhor Pinto de Sousa chegar a primeiro-ministro e lá se manter ao longo de dois mandatos, apesar dos rabos-de-palha e dos esqueletos no armário em que tão pródigo é, bem como dos catastróficos resultados da sua acção.
O excesso de “moralidade” acaba sempre por afastar os bons e promover os incapazes. Quando se cria leis especiais, seja a respeito do que for, seja contra ou a favor de quem for, não é só a ordem jurídica que fica mais pobre, na medida em que a lei deixa de ser geral e abstracta. É também a sociedade que, através dos novos labirintos que a lei cria, fornece aos que prevaricam os atalhos e as escapatórias que a selva legal nunca deixa de proporcionar.
Outra matéria em que a “preocupação” legislativa tem criado as mais inacreditáveis trapalhadas é a que diz respeito ao financiamento dos partidos políticos.
Em nome da “transparência”, criou-se a mais opaca das situações. Em vez de ser livre, desde que devidamente declarado, financiar partidos políticos, é proibido. O resultado é que, quem quer, continua a financiar, só que às escondidas. A coisa é tão estúpida que nem sequer previne os chamados favores. É evidente que, se uma empresa, um particular, quem seja, financia um partido à procura de favores, nada melhor que fazê-lo na clandestinidade. Se o fizesse às claras, os tais favores ficariam com o rabo de fora!
Do outro lado, isto é, do lado dos que contribuem mais modestamente para os partidos da sua preferência, chega-se ao ponto de querer identificá-los! Como se fosse possível, ou justo, identificar os tipos que compram umas bejecas ou uns emblemas na festa do avante, ou dão uns tostões ao CDS num comício qualquer!
Alegadamente para evitar financiamentos indutores de corrupção ou favores, o Estado, em Portugal como na generalidade dos países europeus, financia a actividade partidária. O processo é discutível, mas como sem partidos não há democracia, compreende-se. O que se não compreende é que, em nome de altos princípios, se proíba o óbvio e se proteja a candonga.
Há para aí uma petição, originária de uma organização qualquer que anda a ver se elege um deputado, no sentido de o Estado não financiar a campanha eleitoral que se segue. Poderia admitir-se, dada a crise do socialismo doméstico, que se pedisse contenção, redução de verbas, limites ao uso de meios publicitários pagos, etc. Mas não. O que esta malta vem exigir, já que não tem expressão social para receber alguma coisa que se veja ou eleger seja quem for, é cortar tudo a todos. Por outras palavras, trata-se de demagogia e de oportunismo eleitorais, não de coisa louvável, respeitável ou responsável.
Cuidado com os moralistas!
24.4.11
António Borges de Carvalho