INJUSTIÇA E INIQUIDADE
Há trinta anos, um casal comprou um terreno que viria a ser integrado no Parque Natural da Arrábida. Nele construiu, sem pedir licença, uma pequena casa, nela passando a viver, ao mesmo tempo que arroteava a quintarola, sua única fonte de rendimento. Nela criou os filhos e está criando os netos.
Tudo bem, ou tudo mal.
A câmara de Setúbal foi fechando os olhos. Até que, constituído que foi um corpo burocrático destinado a “defender” o “património natural”, apareceram por lá uns fiscais da coisa, que aplicaram uma multa e disseram que o assunto ficava por ali.
O casal, fatal asneira, dirigiu-se à câmara e pediu a legalização da casinha. Papéis e mais papéis, o costume. A câmara estava de acordo em legalizar a construção, tanto mais que integrada e apoiando uma exploração agrícola. Mas, perdido que foi o seu poder em favor dos burocratas da “Natureza”, enviou-lhes o processo.
Passaram anos. Até que, trinta anos depois de ter cometido o seu crime, o casal vai testemunhar essa extraordinária manifestação de poder que é, por obra e graça dos “representantes da Natureza e da biodiversidade”, ver demolida a sua casinha: um T2 bem arranjado, onde moram com a família e que lhes serve de apoio aos 5.000 metros de agricultura a que se dedicam.
Generosamente, os burocratas “autorizam” o casal a continuar as suas actividades agrícolas, desde que vão morar ao relento ou a 20Kms de distância.
Vejamos o assunto pelo lado da Natureza.
Se a zona que o casal cultiva é “protegida”, isto é, tem património vegetal intocável e, nesse caso, a cultura de nabos e cebolas ofende os interesses que os burocratas dizem defender, então será, ou seria em devido tempo, legítimo proibi-la. A casa não tem nada a ver com o assunto.
Se os nabos e as cebolas não prejudicam a “Natureza” que os burocratas “protegem”, ainda menos a casa o faz.
Do ponto de vista jurídico, haverá que perguntar se, num caso destes, a prescrição não existe, como até nos mais hediondos crimes.
Não é a mesma coisa, dir-se-á. Tecnicamente estará certo. Mas…
Antigamente, um brocardo que, tecnicamente, não é um brocardo, era ensinado às gentes. Rezava ele: Equitas est summa et constans voluntas jus suum quique tribuendi. Ou seja, a equidade era condição para a realização da Justiça, uma superior e constante vontade de dar a cada um segundo o seu direito.
Talvez, hoje em dia, tal postura de princípio seja considerada “fascista”, arcaica, ou coisa que o valha.
Mas não deixa de ser verdade que, segundo a equitas, o casal tem todo o direito a conservar a sua casa, ainda por cima não ofendendo ela os interesses que os burocratas dizem defender, ou com certeza ofendendo-os menos que os nabos e as cebolas.
Aqui temos um caso em que a lei é aplicada segundo critérios meramente burocráticos.
As “autoridades”, que andaram a dormir ou a procrastinar durante décadas, eis senão quando acordam, e pumba!, vai disto.
A casa vai ser demolida, os “criminosos” ficam ao relento com filhos e netos e, ainda por cima, têm que arcar com as despesas da demolição.
A ditadura encartada em acção.
Aqui está uma que, para consolo dos comentadores amigos do senhor Pinto de Sousa, não tem nada a ver com o dito.
14.6.11
António Borges de Carvalho