JOGOS PERIGOSOS
Está por descobrir a forma de sujeitar os militares, enquanto tal, à mera lei civil. O assunto tem feito correr rios de tinta, multiplicando-se os teóricos e as teorias.
Às vezes (quase sempre) o senso comum contribui mais para resolver os problemas do que as elocubrações dos académicos e as tiradas dos políticos e dos juízes. É o caso, neste caso.
As instituições militares, dada a sua função, sempre tiveram regras de funcionamento especiais. Aceitá-las, é lógico pensar, é condição sine qua non para nelas se alistar e para delas, e nelas, viver. Está por provar que seja possível um corpo militar subsistir, enquanto tal, se se sujeitar à lei comum. Pelo contrário, está provado que jamais corpo militar algum subsistiu, enquanto tal, fazendo tábua rasa do corpo de normas que lhe são próprias.
Um estranho fenómeno tem acontecido em Portugal. Não sei se noutros países também. Ao mesmo tempo que a conscrição acaba, os militares, em vez de se tornarem mais disciplinados (seria de pensar que quem "contrata" uma prestação de serviço cujas regras conhece, está mais disposto a aceitá-las do que quem a elas é obrigatoriamente sujeito), passam a reivindicar direitos e prerrogativas impróprias da instituição em que se alistaram.
A isto vem somar-se o "civilismo" dos poderes políticos, hesitantes em ser restritivos nestas matérias. Permitem-se os sindicatos (chamem-lhes o que quiserem) as manifestações (chamem-lhes passeios), as reuniões (ilegais mas "autorizadas").
Quando, a esta atmosfera de permissividade, se junta o justicialismo da moda, temos reunidas as condições ideais para acabar com as Forças Armadas enquanto tal.
Uma coisa, ainda que errada, é abolir os tribunais militares. Outra, muito mais grave, é que os agentes da justiça ajam como se não houvesse regras próprias e especiais para os militares, isto é, ignorando-as e substituindo-as pela lei civil.
Não será com a introdução de juízes militares nos tribumais civis - uma espécie de observadores especializados, ou adjuntos "técnicos" dos juízes comuns - que se resolverá o problema, mas obrigando os juízes civis a aplicar a lei militar aos militares enquanto tal.
Há anos e anos que cada governo, cada ministro, promete re-estruturações das Forças Armadas. Parece, no entanto, que a grande re-estruturação em marcha e, em grande parte, já feita, é a da abdicação, por parte do poder político (e do judicial) em relação a conceitos que, ainda que elementares, não podem deixar de integrar a definição daquilo que, alegadamente, se quer re-estruturar.
António Borges de Carvalho