ONDE A LIBERDADE?
Anda para ai uma imensa discussão sobre o fim das ideologias. Opiniões não faltam. Acabou a esquerda, acabou a direita, acabou o centro, outro paradigma terá que ser criado, etc., blablabla.
A Roseta, o Costa e quejandos, por exemplo, vêem a salvação nos tipos “da luta”, nos deitados do Rossio, nos paspalhões de Madrid, nos ciclistas nus, nos estúpidos do emprego para a vida, nas fufas, nos bichas, nas novas “classes sociais”, no proletariado do politicamente correcto.
Outros há, mais intelectuais, ou menos, que acham, por exemplo, que o Portas (Paulo) esta à esquerda do Passos Coelho, com isso demonstrando que as ideologias se deslocam, estremecem ou deixam de existir.
Ou então, como essa zangada cabeça do stortyeller Tavares - que nunca disse bem de ninguém a não ser do Engenheiro Teles – e que opina nunca ter havido, depois do 25, ninguém tão à direita como o Passos (!).
Tudo a partir dos “gabaritos” de cada um, todos mais ou menos escravos das modas.
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Permitam-me outra leitura, talvez menos intelectual e, com certeza, de uma incorrecção politica acima de qualquer suspeita.
Primeira asserção
Ideal ideal seria um mundo sem estados, sem governos, sem polícias e sem leis. Um mundo onde a liberdade e as ideias de cada um nunca colidissem com a liberdade e as ideias dos outros. Um mundo de ficção, um mundo não de homens mas de outra coisa qualquer. A utopia anarquista em estado puro.
Põe-se de lado.
Segunda asserção
Ideal seria um mundo em que cada um tivesse um máximo de liberdade compatível com a dos outros.
Daí, cria-se o Estado, os governos, os polícias e as leis. Para quê? Para assegurar tal liberdade. A liberdade de cada um.
Terceira asserção
Para assegurar da liberdade é preciso “dar a cada um segundo o seu direito”. Dai, a necessidade da Justiça. Ao Estado competirá assegurar a Justiça, directamente ou por interpostas estruturas.
Quarta asserção
A tudo isto junta-se a necessidade de defender as pessoas dos seus actuais ou eventuais inimigos. Dai, os exércitos, que compete ao Estado organizar.
Quinta asserção
Não há pecadores colectivos, nem penas colectivas. Os responsáveis são sempre indivíduos, como individuais os são os castigos.
Sexta e última asserção
O Estado trata de indivíduos e regula as relações entre eles.
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É quanto à concepção da relação entre o Estado e os indivíduos, competindo àquele assegurar a liberdade destes, e a estes pagar aquele, que as ideias políticas se diferenciam.
Por isso que, nos nossos dias, o que distingue as ideias políticas seja a forma como encaram o poder do Estado.
Pode o Estado ir tão longe que, em lugar de assegurar a liberdade a limite a ponto de a fazer perder significado em favor de outros valores, ideológicos, económicos ou sociais? Até que ponto, por exemplo, pode a burocracia estatal entrar na vida das pessoas sem lhes retirar as suas livres prerrogativas? Até que ponto, por exemplo, pode o poder do Estado retirar às pessoas o direito de tratar da sua própria vida e do seu individualíssimo futuro?
É na resposta a estas perguntas que mais profunda e substancialmente se separam as ideias políticas.
A medida em que tais ideias se afastam de um ponto central, e ideal, onde se situa o máximo de liberdade individual compatível com a vida em sociedade, é o que determina as grandes diferenças ideológicas. Ao afastar-se, tanto para a esquerda como para a direita clássicas, desse lugar geométrico onde a liberdade individual se situa, as ideologias, ou as ideias, aproximam-se umas das outras.
Levadas as coisas ao extremo para facilitar a compreensão deste aparente paradoxo, teremos que, tanto a direita como a esquerda radicais, ou totalitárias, no que à liberdade diz respeito são da mesma natureza, são iguais nos resultados ainda que com diferentes ou até opostos fundamentos.
Quando se perde a noção daquilo para que o Estado foi criado ou para que o Estado serve, ou deve servir, as coisas começam, perigosamente, a alterar a sociedade e as pessoas, de acordo, não com as escolhas de cada um, mas com as escolhas que o Estado faz para cada qual.
Quando o “Norte” da politica deixa de ser o que aponta para a submissão do Estado àquilo para que foi criado - a liberdade individual – o Estado apropria-se de cada um, passando cada um a ser dele e não o oposto. Isto é, pondo tudo de pernas para o ar.
Disse.
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As vezes, vale a pena pensar um bocadinho, a fim de, na floresta dos dias, das circunstâncias e dos ventos, se não perder a noção do princípio e do fim das coisas.
26.6.11
António Borges de Carvalho