Linguarejar
Muitas loas se tecem à língua portuguesa. Ele são os ministros, os intelectuais, agentes da administração pública das mais variadas funções e origens, diplomatas, catedráticos, sei lá. Toda a gente cita o poeta, “ a minha Pátria é a língua portuguesa”, toda a gente clama que o português é a terceira língua mais falada no mundo, fora das suas fronteiras de origem… que é preciso defendê-la como o mais precioso dos patrimónios, e por aí fora, blá, blá, blá. E, no entanto, ninguém mexe uma palha contra os atentados diários à dita.
Os macacões do Corte Inglês são mestres na castelhanização da pobre senhora. Quem lá for – quem lá não vai? – dá com umas baiúcas tituladas “provador”. Já perguntei à menina se morava ali algum provador de vinhos, ou de outra coisa qualquer. É evidente que a menina fez um sorriso estúpido, como se eu viesse de Marte. Mais adiante, umas parangonas rezam: “Carta do Cliente”. Perguntei se tinham lá alguma carta para mim, mas não tinham. Não têm cartas para marcianos. No balcão das comidas, vendem “salpicão de marisco”. Perguntei se era carne de porco com camarões, e a menina mandou-me dar uma curva. Marte não era ali. Três pequenos exemplos num mar deles. Escrevi ao Instituto do Consumidor, a contar esta história. Responderam-me, por carta, preto no branco, que não tinham nada com isso. Era um problema da Inspecção das Actividades Económicas, ou coisa do género.
Um senhor de Campo Maior lança um café que se chama “Bellissimo café”. Fiz um discurso ao senhor Victor, da pastelaria, dizendo que não percebia porque é que Bellissimo estava em italiano, e café em português. Coitado do senhor Victor.
Em Cascais há um armazém de lojas chamado Cascais Villa. Assim, com dois LLs. Porquê? Vá-se lá imaginar. Villa, em português, não existe. Mesmo noutras línguas latinas, não se enxerga onde querem chegar com a coisa. Talvez o dono daquilo seja parente do Pancho Villa, não sei.
O que sei é que há disto pelo país inteiro, aos pontapés, aos milhões. Sei que é fruto de ignorância, de iliteracia, de analfabetismo, ou, como no caso do Corte Inglês, chefiado por tipos que de ignorantes nada têm, de castelhanismo puro, de ilegítima invasão cultural, de tomada de posições. Não é?
Os ilustres propagandistas da língua, blá, blá, blá, assobiam para o ar. Ninguém liga nenhuma, muito menos os institutos criados, e principescamente pagos, para o efeito.
Que fazer? Nada. Protestar para quê? A malta até gosta!
António Borges de Carvalho