UMA TERNURA
De todo o país, bandos de alegres jovens, cheios de entusiasmo, convergem no verde campo. Os passarinhos pipilam, os regatos murmuram docemente, a fresca brisa deste suave Verão acaricia a juventude, dando-lhe força, ânimo, vontade de futuro.
Sob as frondosas e acolhedoras árvores, os jovens tomam posições, organizam-se, preparam-se com esmero para passar uns dias em contacto com a natureza e em ameno e sadio convívio.
Estabelecem as fronteiras do seu refrigério, fronteiras que não são limites mas convidativo sinal a marcar a sua feliz presença e a chamar outros para com eles viver os momentos únicos do seu bucólico beau séjour.
Amantes da Natureza, preocupados com o ambiente e com os destinos da Mãe-Terra, os nossos jovens tudo limpam, tudo arranjam, nem o mais pequeno sinal da sua passagem perturbará, quando se forem, a pureza de tão idílico local.
À porta do acampamento, desfraldada, uma delicada bandeira, fremente, ostenta a face heróica do camarada Ernesto Guevara, mais conhecido por Ché, a indicar às gentes a altura moral e cívica do que ali se passa.
Pelos ares, os altifalantes ecoam a branda e meiga voz de meninas pedindo em casamento outras meninas, e a destas, a gritar bem alto o mimoso sim. Os montes e as ervinhas parecem rejubilar, tocados pela meiga sensação do amor das inocentes criaturinhas, tão deleitadas em afirmar os seus direitos e aspirações.
Pelas aprazíveis sombras ondulam rapazes, leves, saltitantes, jubilosos. Como quem distribui olorosas flores, os meninos tiram, de uns cestinhos de verga, tubos de gel lubrificante anal/vaginal e preservativos, produtos bem marcantes dos seus direitos e irreprimíveis ideais, e oferecem-nos, cheios de amor, aos seus camaradas, meninos e meninas.
Uma alta dirigente da organização, prenhe de entusiasmo, verifica que não poucos jovens, imbuídos do espírito da comunidade, “saíram do armário” no acampamento, isto é (presume-se), deram vazão ao gel.
Não se pense que esta exemplar juventude se fica por aqui. Reunidos em círculo, qual távola redonda, cheios de unção, discutem os ingentes problemas das sáficas e larilais práticas que urge defender, propagandear e impor, como sinal evidente da verdade e do direito ao lesbianismo e aos prazeres rectais, e suporte dos inalienáveis direitos dos seus praticantes e, de um modo geral, dos portadores de deficiência sexual congénita ou adquirida.
Dando largas à sua inteligência privilegiada, os campistas, “recuperam Marx” e “reflectem sobre a intervenção do FMI”. “Aqui”, diz uma púbere menina, “ninguém fala por cima de ninguém”. Pois não.
Há até umas italianas que produzem representações teatrais destinadas a “caricaturar o comportamento da sociedade face à homossexualidade”. Lindo.
“Não fiques à rasca, revolta-te” e “repressão policial é terrorismo social”, são dois exemplos das máximas que animam o pessoal, em grandes dísticos, entre as frondosas árvores.
Como o recurso à bela face do Ché bem demonstra o acampamento tem uma “dimensão política”, que fica a matar com “música palestiniana”.
Uma delícia, esta juventude. Como se pode imaginar, a Pátria anseia pelo seu contributo, teórico e prático. Vai ser lindo vê-los crescer animados por tão altos ideais.
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Texto concebido a partir de uma reportagem do “Público” sobre o acampamento de Verão da juventude do Bloco de Esquerda.
26.7.11
António Borges de Carvalho