A BUFARIA AO ATAQUE
Surgiu nos nossos mais negros horizontes mais uma brilhantíssima organização: a Openliques (OpenLeaks).
Fruto da iniciativa de dissidentes da Uiquiliques (WikiLeaks), a novel organização reuniu na Alemanha nada menos que 3.500 hackers (piratas informáticos, pessoas que violam a segurança dos sistemas informáticos, picaretas, segundo os dicionários). Tudo gente fina. Gente especializada em meter-se na vida dos outros, pessoas singulares e colectivas, dando-lhes cabo do bom nome, dos negócios, da vida, penetrando-lhes na intimidade, na privacidade, nos meios de comunicação, na correspondência, nas folhas de cálculo, nos amores, nas fichas médicas, nas contas bancárias, no que lhes apetecer.
O patrão da coisa, um tal Domscheit-Berg, achou que os informadores da Uiquiliques – caso do americano condenado, e muito bem, a prisão perpétua – não estavam devidamente protegidos.
Para tratar de tão grave problema, o senhor Domechaite e os seus “técnicos” inventaram um sistema de tal ordem que você, meu caro leitor, se tiver um inimigo que entre na sua vidinha e a dê, ou venda, nos menos contáveis pormenores, aos jornais, a coberto do anonimato, ninguém, mas ninguém mesmo, poderá saber quem é o tal inimigo.
Apareceram logo 3.500 gatunos confessos interessados na coisa, bem como uns outros, a que a seguir faremos as devidas honras.
É de prever que, dada a enorme quantidade de gatunos existentes à face da terra, a coisa venha a ter um indiscutível sucesso
Havia, na moral social e na ordem jurídica, uma norma - entre nós, até está na Constituição e no Código Penal – que condenava a violação da correspondência.
Havia, no vademecum dos jornalistas, uma norma que, reservando em geral o sigilo das fontes, impunha limites deontológicos, designadamente a convicção da sua idoneidade.
A partir da reunião dos gatunos informáticos tudo, mas tudo, pode ser objecto de bufaria, desde o mais secreto segredo de Estado às hemorróidas de cada um. Isto, na certeza que o gatuno jamais poderá ser conhecido, seja pelos interessados, seja pelos jornalistas que se (des)responsabilizam pelo que publicam.
A partir disto, acaba a liberdade, a vida pessoal, a discrição negocial, até os planos da pólvora.
Vejamos, nas próprias palavras dos gatunos, o que se conseguiu: trata-se de uma plataforma tecnológica que os interessados instalarão nos seus sites e, assim, poderão receber fugas de informação de forma anónima e segura.
O senhor Domechaite e alguns dos seus parceiros da Uiquiliques saíram desta em rotura com Julian Assanje e levaram a plataforma de submissão electrónica que tinha sido desenvolvida por eles e que permitia aos “whistleblowers” (em português, bufos) entregar documentos pela internet.
Trocadas as coisas por miúdos, a seita do Domechaite roubou o sistema, que era da Uiquiliques e, à custa dele, lançou a Openliques. Ladrão que rouba ladrão…
Faltava arranjar parceiros de conhecida e reconhecida laia.
Em Portugal, como não podia deixar de ser, o parceiro encontrado foi o Expresso.
Em alta declaração do mais nobre escrúpulo, a direcção do citado tablóide vem dizer ao povo que, tal como no caso da Uiquiliques, só publicámos o que achámos importante. Antes, lemos, escolhemos, editámos, verificámos.
Pois é. Leram tudo. Publicaram o que lhes deu na realíssima gana. Ora como leram tudo, houve uma data de “leitores” que ficaram a saber tudo. Publicaram material roubado, foram receptadores de material roubado e fizeram negócio com ele.
Não venham dizer que se trata de investigação jornalística. Não há no caso, como não haverá na criminosa associação com a Openliques, seja que investigação for. É pura bufaria. E não há, sequer, por detrás das informações obtidas quaisquer fontes de indiscutível confiança. O que há é a ausência total de conhecimento da identidade de quem passa as informações.
Exactamente como o tipo da ourivesaria que recebe as jóias roubadas à velhinha e que, nem que lhe paguem, quer saber quem lhas passou.
Orgulhosamente, a direcção do tablóide confessa o pecado como se de virtude se tratasse.
Irresponsavelmente, as autoridades alemãs fecham os olhos a uma reunião de gatunos destinada a refinar os seus métodos de “trabalho”.
Ignorantemente, uma autoridade qualquer que é suposto ocupar-se da “comunicação social” em Portugal, não dá por nada.
Corporativamente, o sindicato dos jornalistas deve achar muito bem.
Irritadamente, o IRRITADO põe pontos em is que parecem não ter existência para aqueles a quem deviam interessar.
13.8.11
António Borges de Carvalho