CARTA ABERTA AO DR. DURÃO BARROSO
Caro Dr. Durão Barroso
Antes de mais as minhas desculpas por o tratar pelo nome que usava por cá. Sei que, para a estranja, o senhor passou a José Manuel Barroso, deixou o Dr. e passou a Herr, Mister, Señor, Signore ou Monsieur, para só falar das línguas que nos são mais próximas.
Dando de barato o ordenado, o lugar dourado a que se alcandorou - não duvido que, entre outras razões, por mérito próprio e bons amigos - há muito deixou de ser aquele refrigério, aquele assento etéreo, aquela suave e poderosa vilegiatura de que o acusam por cá.
Pelo contrário. O pessoal lá das europas não soube apreciar, nos bons tempos, o seu perfil discreto, e acusou-o de falta de drive, quer dizer, de força e de ímpeto. Além disso, há aquela esquerda, de cá e de lá, que não se cansa de o acusar disto e daquilo, da cimeira dos Açores, dos voos da CIA, do diabo a quatro, coisas em que se distingue o senhor Cohen Bendit e a camarada Ana Gomes.
Depois da reunião do “porreiro pá” puseram-lhe às costas uma senhora britânica de cuja obra e influência diplomática não há notícias, e um simpático (presumo) cidadão belga que nada nem ninguém, fora das reais fronteiras do Rei dos Belgas, sabia quem fosse e, mesmo lá dentro, sabe Deus.
Para cúmulo dos azares, surgiu a chamada crise. Os EUA meteram os pés pelas mãos, a Europa a cuja Comissão o senhor preside, guiada homens do gabarito de um Constâncio, é o que se sabe: uns países já falidos, outros a caminho, um par de namorados que são mais que os outros, e uma data de repúblicas, a Leste, ansiosas de pertencer à grande Alemanha, ainda por cima ajudadas por uma economia que vai andando, enquanto, mais a Oeste e mais a Sul, parece moribunda.
A senhora Ângela Merkel e o seu parceiro, senhor Nicolau Sakozy, tomaram conta dos acontecimentos e fazem o que está ao seu alcance para acabar com os demais quanto antes, a fim de se safar nas próximas eleições.
O senhor deixou de existir. Pior: quando resolve pôr a cabeça de fora com alguma proposta mais ou menos tímida, é objecto do mais radical desprezo por parte do parzinho.
Tudo razões para que o IRRITADO faça um apelo ao que lhe resta de forças e de capacidade política. Dê um murro na mesa! Não deixe que o senhor Delors, por exemplo, se adiante a dizer como é. Apareça no Conselho, no Parlamento Europeu, onde quiser, e diga que, com as receitas do “eixo” galo-tudesco não nos governamos. O que deve exigir? Deixo ao seu critério. Euro-bonds já? Federação já? Orçamento comum já? Revigorar o Euro? Desvalorizar o Euro? Acabar com o Euro? Restaurar a solidariedade (?) europeia? O que quiser.
O IRRITADO não é competente para fazer sugestões, mas tem a certeza que o senhor tem a cabeça cheia de ideias. Seja político com P grande. Deite-as cá para fora. Ponha a cabeça no cepo se for preciso. Não esteja agarrado ao lugar. Dê, ao futuro, a imagem de quem não pactuou com o fim do processo de decisão europeia em favor da informal ditadura dos dois parceiros. Use o Tratado de Lisboa, raio! Borrife nos prazos, no “presidente”, nos manda-chuvas! Se lhe cortarem a cabeça, cortaram.
Ao menos, não ficará na história como o cangalheiro adjunto do funeral da Europa.
19.8.11
António Borges de Carvalho