CABECINHAS PENSADORAS
O capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, redu-la à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a.
Boaventura Sousa Santos, Visão
Rezam as crónicas que este bem-aventurado senhor Santos é nada mais nada menos que um ilustre professor não sei de quê.
A brilhante “análise” que acima se reproduz prova o subido e elaborado pensamento do senhor. Nem o alemão Carlos Marques, nem o seu camarada Engels, nem o grande líder Lenine foram capazes de chegar a tais alturas, ou a tão profundo pensamento.
Estes, punham à democracia o adjectivo “burguesa”. Os primeiros diziam que ela, com o seu capitalismo, havia de destruir-se, vítima das suas próprias “contradições”, surgindo então a ditadura “do proletariado”, seguida do “socialismo real”. O terceiro achava que o “processo histórico” podia ser acelerado, e agiu em conformidade, isto é, conseguiu a tal ditadura “já”, e rapidamente a transformou naquilo que não podia deixar de vir a ser: a ditadura do partido, com a negação de todo o Direito e sustentada por ferozes polícias.
Entretanto, o capitalismo que o nosso Boaventura tão violentamente condena criava a civilização ocidental, as sociedades mais livres e o progresso económico, social, científico, etc. que jamais a humanidade conheceu.
Não há nada perfeito. Não há nada parado no tempo. Tudo conhece evolução, progresso e regresso, bons e maus momentos. Não há nada que, em si, não tenha elementos destrutivos, não corra perversos riscos, não tenha altos e baixos. O capitalismo, quando não é liberal, isto é, quando o Estado toma o lugar do Direito, ainda que produza meios económicos e financeiros, pode reduzir a sociedade a um instrumento de exploração. Viu-se há pouco, com Pinochet, como uma ditadura feroz e sanguinária, conservando elementos essenciais do capitalismo, conseguiu notável progresso económico. Todas as ditaduras ditas de direita (nazismo, fascismo, franquismo, salazarismo…) elegeram agentes económicos e financeiros a quem deram liberdades especiais, ditas capitalistas, os chamados “empresários do regime”, dispostos a aceitar o status quo em nome da conservação e da liberdade da sua iniciativa. Mas nunca tiveram o sucesso que o capitalismo liberal obteve onde, mesmo em socialismo democrático, “tomou conta” da economia, respeitando o Direito. Na Suécia, por exemplo, no auge do poder do partido socialista, só 5% da economia estava nas mãos do Estado. O que quer dizer que, respeitados os princípios liberais do capitalismo, até a social-democracia consegue, em “liberdade liberal”, ser um bem.
O mal, o erro, a cegueira dos boasventuras da nossa praça são iguais aos de Marx e Lenine: partem do princípio que o homem é aquilo que jamais foi ou será: uma criatura que pode ser totalmente dominada, conduzida, retorcida, ainda que com o nobre fim de a transformar no “homem novo”. No tristemente célebre “homem novo”.
Quando, nas obscuras profundezas do bolchevismo, os motoristas de táxi, em Moscovo, vendiam caviar e outras coisinhas – em dólares! – aí estava o Homem, não o “novo”, que nunca existiu, mas o homem propriamente dito, a tratar da sua vida como podia. Por outras palavras, mesmo na mais feroz das repressões anti-liberais e anti-capitalistas, a natureza humana continua a mesma.
À liberdade económica, um Estado digno desse nome fornece o quadro jurídico e administrativo necessário a que se não transforme em dominação: a isso se chama capitalismo liberal.
O capitalismo é o “pai” da democracia, no sentido em que lhe subjaz. Jamais houve uma sem o outro, ainda que possa ter havido aquele (não liberal) sem esta.
O IRRITADO não ignora nem nega que atravessamos uma fase da história em que os achaques do capitalismo se transformaram em doença grave, com tendência para a pandemia.
Mas não é negando o essencial que se cura a doença.
Não é seguindo os conselhos e as opiniões maximalistas do Professor Boaventura e apaniguados que chegaremos a bom porto.
27.8.11
António Borges de Carvalho