CRÓNICA GAULESA
O IRRITADO passeia-se por terras do Nicolau Sarkozy. Coitado, o homem tem andado afastado das manchetes por causa da barulheira das primárias do partido socialista. A chusma de xuxas franceses (sete!) que se apresentam é de tal ordem que ocupa os jornais e as televisões com debates e mais debates, entrevistas aos pontapés, desentendimentos mais ou menos fabricados para emocionar o pessoal, etc. e tal.
Isto não interessa lá muito. É evidente que o único xuxa que interessava verdadeiramente às massas era o DSK, e esse foi cientificamente afastado, vítima da sua incontinência pessoal e de armadilhas várias, a começar por uma criada de hotel e a acabar num pente francês que, passados não sei quantos anos, resolveu lembrar-se de que DSK lhe apalpou o soutien, a seguir a ter-se locupletado com os favores de alcova da sua bem amada mãezinha.
Adiante. O IRRITADO, mercê de um voo low cost em boa hora criado entre o Porto e La Rochelle, tem andado a pavonear-se na Ilha de Ré e no Périgord, com largo consumo de produtos da gastronomia local e da respectiva vinhaça, pior esta, e mais cara, que a lusitana pinga.
Como sempre que nos deslocamos pela província francesa, a fartura de chateaux, de igrejas medievais, de paisagens assombrosas ou simplesmente belas, é tal, que nos deixa tristes com a nossa secura, a nossa ausência de verde, o ar escalvado e desordenado da nossa agricultura, a estupidez endémica e confusionista da nossa sinalética turística.
É claro que estes tipos só são simpáticos, e nem sempre, por obrigação profissional, é claro que os restaurantes estão cheios de lulus das velhas viúvas e divorciadas, a lamber as canelas dos circunstantes sob o olhar ternurento das donas. Que interessa? O mar está lindo, o sol vivíssimo, as marés imensas, há relais maravilhosos à beira dos rios, há grutas, florestas, uma fantástica imensidão agrícola, há, em qualquer vilória, lojinhas com tudo o que há de tentador, há uma atmosfera soulagée a fazer esquecer a crise que por aqui também campeia, qual Adamastor a ameaçar os navegantes sem que o homem do leme tenha a força da inspiração e do poder do Senhor Dom João Segundo.
A França (ainda) não caiu nos braços fraternos do FMI e quejandos. Mas sente-se a ameaça. Cortes orçamentais nunca vistos desde o fim da II Guerra Mundial, cerca de 60.000 professores “dispensados” entre 2007 e 2011, mais 14.000 previstos para 2012. Como entre nós, os professores fazem as suas greves (não mais que 25%) e gritam na rua. Podem fazer mais que isso? A despesa por aluno é quase duas vezes a que era em 1980 (6% do PIB!), há menos quinhentos mil alunos e mais trinta mil professores, etc. Numa palavra, não há greve que valha.
Os agricultores têm andado calados. Se calhar já perceberam que vivem à custa dos europeus través dessa coisa incrível que já devia ter acabado e se chama PAC.
Uma boa notícia para todos é que parece que o “nosso” “Barroso”, obviamente a conselho do IRRITADO, resolveu dar um murro na mesa: pôs nas ruas da amargura o “governo económico europeu” do casalinho Merkel/Sarkozy. Diz ele que a Europa tem um governo de que ele é o primeiro-ministro e que é a esse governo que compete a tal governção económica, não a uma panelinha franco-tudesca. Resta saber se terá guts e apoios para defender na cimeira de Outubro o que tão vasto sucesso obteve no Parlamento. O argumento é simples: ou nos socorremos do “método comunitário”, sediado na Comissão, ou o “método inter-governamental” conduzirá “à renacionalização, à fragmentação, quem sabe se à morte da Europa unida”.
Carradas de razão. Virá a tempo? Não se sabe, mas é uma ténue luzinha ao fundo do túnel do TGV para o desastre. À atenção de Passos Coelho. É capaz de ser altura de se demarcar do directório e de procurar aliados. Certo que com pinças e punhos de renda. Mas com firmeza também.
Bom, já chega. O mar está ali, à espera do IRRITADO. Na semana que vem, voltará aos seus profundos pensamentos. Salut!
29.9.11
António Borges de Carvalho