O ESCÂNDALO DA MEIA HORA
Em tempos que já lá vão, o IRRITADO trabalhava na indústria. O trabalho começava às oito da manhã, de Verão e de Inverno, chovesse ou fizesse sol. Folgava-se no Sábado à tarde – coisa introduzida pelo “fascismo” e chamada “semana inglesa” – e no Domingo. Férias, ao fim de um ano, mais ou menos uns quinze dias, a engordar com o tempo.
Havia duas espécies de trabalhadores: os que cumpriam horários, isto é, saíam às cinco, e os que se deixavam estar, mesmo sem receber horas extraordinárias.
Quer isto dizer que quem queria progredir na vida tratava de se esforçar, valorizar e preparar para mudar de emprego assim que surgisse a oportunidade. Isso custava tempo, às vezes sacrifício, mas acabava por compensar. Quem queria guardar o empregozinho, guardava: picava o ponto à chegada e à pontualíssima partida, ninguém o punha na rua e, às vezes, até se era promovido.
A semana de trabalho tinha, pelo menos, 44 horas.
Era preciso? Não se sabe.
Vem isto a propósito de uma subida das horas semanais de 35 ou 40 para 37,5 a 43,5. Mais ou menos, que disto sei pouco.
Como não me lembro de alguma vez ter trabalhado menos de umas cinquenta horas por semana, mesmo sem gostar de trabalhar, não consigo perceber o sururu que esta decisão do governo, boa ou má, vem causando.
O problema é que, se não é difícil ir de burro para cavalo, a inversa causa uma indignação dos diabos aos picadores de ponto, que são a maioria. E, como estamos em democracia, a maioria é que manda ou devia mandar. Pelo menos é o que pensa a indignação popular. Nesta conformidade, há que apelar aos ditames em boa hora ínsitos na Constituição da III República: todos têm direito a tudo, façam o que fizerem ou o que não fizerem. Os “direitos sociais” não se aplicam na medida do possível, aplicam-se porque são direitos como os demais, absolutos e indiscutíveis.
Os reaccionários como o IRRITADO acham que não é bem assim, isto é, que há um abismo conceptual entre direitos propriamente ditos e coisas que é desejável ter se houver dinheiro para as pagar. Mas isto são ideias estúpidas, para não dizer fascistas. Coisas que causam a maior indignação.
16.10.11
António Borges de Carvalho