TRÊS INDIGNADOS
* Uma senhora, grávida de oito meses, está muito indignada.
Nesta conformidade, resolveu declarar à televisão que, para já, dado o seu estado, pouco vai ao trabalho, como é seu inalienável direito. Depois de a criancinha nascer, sendo todas as despesas pagas pelo Estado e recebidos que sejam os subsídios que a situação impõe, a senhora ficará, segundo diz, 150 dias sem fazer a ponta de um chanfalho, recebendo do Estado, calcula-se a indignação, só 80% do salário. O Estado dar-lhe-á, como é seu inalienável direito, os subsídios para o leite e as fraldas, umas baldas para o marido, e efectivará, em metal sonante, outros inalienáveis direitos.
* Uma senhora doutora, toda fataça, indignadíssima, declara que, apesar dos extraordinários serviços que prestou, urbi et orbe, à humanidade, tendo trabalhado 30 anos, passou à reforma aos 55. Ganha uma miséria: 1.120 euros por mês. Ou seja, esta senhora, tendo trabalhado 30 anos depois de tirar um curso que lhe foi oferecido pela comunidade, prepara-se para viver outros 30 à custa da mesma. É motivo de sobra para estar indignada.
* Em Nova Iorque, um rapazito ostenta, indignado e orgulhoso, um cartaz onde declara que “Somos 99%” (os indignados, é de ver).
Um cartaz paradigmático sobre o que anda no bestunto dos indignados. Há um por cento da humanidade que vive à custa dos outros noventa e nove por cento. Os que se manifestam, é certo, não são noventa e nove por cento, mas “representam” os tais noventa e nove por cento. Tal como as “vanguardas esclarecidas” representavam o povo mesmo que o povo as abominasse, tal como o partido nazi, mesmo minoritário, representava “todos” os alemães e eliminava os que não fizessem parte de “todos”, tal como o PC “representa” os “trabalhadores”. Etc.
Um pequeno cartaz que diz tudo, ou quase.
A rua é assim, sempre foi assim. O que quer dizer que, ou há uma sociedade forte e organizada capaz de resistir à rua (mesmo que satisfaça algumas pretensões dela), ou se cai, inevitavelmente, nas mais negras ditaduras.
Foi sempre assim e nada nos diz que venha a ser de outra maneira.
17.10.11
António Borges de Carvalho