O ESCORPIÃO
Toda a gente sabe a história do escorpião e da rã. Para os mais distraídos, repita-se:
Não sabendo nadar, o escorpião pediu uma boleia à rã para atravessar um charco. A rã olhou desconfiada para o venenoso aguilhão. O escorpião sossegou-a: achas que eu sou capaz de te matar depois de me dares boleia? A rã acedeu e levou-o às costas para a outra margem. Mal lá chegaram, o escorpião espetou-lhe nas costas o fatal órgão. No estertor, a rã murmurou: tu tinhas prometido… Pois tinha, respondeu o escorpião, mas, que queres, é a minha natureza!
Exemplar, não é?
Há sempre histórias a confirmar as fábulas. Desta vez, foi o doutor Cavaco que se encarregou do assunto.
Para quem assistiu à ascensão deste senhor e esteve um pouquinho atento às suas, digamos, características pessoais, a coisa não causa grande surpresa. Muita e boa gente foi puxada para cima por este senhor, e depois deixada cair como se fosse lixo, as mais das vezes, há quem diga, em favor de gente menos boa.
É também sabido que a estratégia política de Sua Excelência sempre se pautou por um valor supremo: o seu interesse pessoal.
Foi assim que deu a necessária ajudinha ao camarada Sampaio, “moralizando-o” para destruir, com um golpe de Estado, a maioria democrática e coerente então no poder. Um governo socialista adaptava-se melhor às suas ambições presidenciais…
Foi assim que tudo sacrificou para se erguer até Belém pela segunda vez: tocar na fímbria das vestes do governo socialista, nem pensar!; fazer fosse que ondas fosse em favor de um país que vinha sendo, debaixo do seu nariz, impiedosamente lançado ao poço das dívidas e à gula dos credores, que ideia! O Presidente só se zangou, e de que maneira, quando os tipos dos Açores, apoiados pelos ignorantes dos partidos, quiseram roçar as pernas dos seus sacrossantos poderes.
De resto, cooperação estratégica, uma ou outra suave dentadinha, palavras de estímulo, discursos inanes.
Agora, põe-nos perante o que parece uma vingança póstuma contra o Dr. Sá Carneiro, que almejava um governo, uma maioria, um presidente da mesma cor, isto é, um poder democrático, coerente e unido.
Agora, que se poderia pensar que o desejo do mal amado (por ele) primeiro-ministro se poderia realizar, zás!, Cavaco desbronca-se, na rua, sem mais nem menos e com uma virulência desmedida.
Já nem a desculpa de mau pagador que tinha antes das eleições (era preciso segurar os votos da esquerda moderada que não suportava a ideia de ver em Belém o alegre saco de vento que lhe andavam a impingir) lhe assiste.
Assiste-lhe a oposição, o Pacheco Pereira e a uma primitiva ânsia de protagonismo. Para além, é claro, da sua natureza…
21.10.11
António Borges de Carvalho