MALHAS QUE A INVEJA TECE
Tal como era de prever, o post anterior deu origem a alguns indignados protestos.
Começo por dizer que o autor do IRRITADO não aufere do Estado outra coisa que não seja uma pensão relativamente modesta e o célebre subsídio dos combatentes. Embora ninguém tenha nada a ver com isto, há que fazer esta declaração de não interesse pessoal no assunto, a fim de prevenir as acusações das criaturas mais rancorosas.
Ainda ninguém se lembrou de pôr em causa os ordenados que auferem, acompanhados de gabinetes mobilados à maneira, de secretárias, motoristas, automóveis, etc.,vitaliciamente, os ex-presidentes da república.
Porquê? Não se percebe.
O IRRITADO é a favor de tais mordomias. Poderão ser criticadas por ser altas demais (não sei se o são). Mas o princípio está certo.
Houve, há bem poucos anos, um primeiro-ministro britânico que morreu na miséria. Acham bem? O IRRITADO não acha.
A democracia tem custos. Não são esses os custos que nos arruinaram.
Os da má governação, sim.
Não fomos nós, portugueses, que pusemos o senhor Pinto de Sousa no governo a seguir a um golpe de Estado perpetrado à sua medida e no seu interesse? Não fomos nós, portugueses, que não tivemos sentido crítico perante a golpada, antes a defendemos e justificámos? Não fomos nós, portugueses, que, depois de quatro anos do mais horripilante descalabro, nos deixámos enrolar pela demagogia e voltámos a eleger o intragável fulano? Não fomos nós, portugueses, que deixámos passar seis anos até “acordar”? Não fomos nós, portugueses, que só acordámos quando a coisa bateu no fundo e os credores nos caíram em cima?
Agora queremos ir buscar o dinheiro aos subsídios vitalícios dos políticos. Achamos que ganhamos alguma coisa, isto é, dinheiro que se veja, com isso?
É evidente que pouco ou nada ganhamos.
Voltando atrás, se os ex PR’s têm o que têm, porque não hão-de os outros ter também o seu quinhão? Ou há moralidade ou comem todos, não é? Não, não é. O nacional-rancorismo não pode aceitar tal coisa.
Assim, postas as coisas em matéria de puros princípios, aceite-se que, dada a situação de total ruína a que nos levaram, todos devem fazer sacrifícios. Por maioria de razão, os políticos, para dar o exemplo.
O IRRITADO acha muito bem que, tal como os dois meses que os funcionários vão perder, também os ex políticos deviam perdê-los. Como só recebem doze meses, então que fossem taxados em conformidade. O IRRITADO, sem concordar, até pode admitir que, durante a crise, os subsídios vitalícios sejam suspensos, o que corresponderia a um prejuízo ainda maior. Muito a custo, até poderia tolerar que, se os “reformados” da política continuam a exercer funções remuneradas, a partir de certo plafond, fossem obrigados a escolher, ou taxados de forma especial.
Mas o que a nacional inveja exige é muito mais. Acabem com tudo! No meio desta miserável campanha o pior é a medrosa reacção da classe política, que parece querer ir tão longe quanto lhe é exigido pelos mais rascas sentimentos “sociais”.
O argumento que mais colhe é o daqueles que alegam que, tendo os políticos levado a sociedade inteira a endividar-se, deveriam ser todos metidos, a pão e água, num campo de concentração.
E nós? Nós, que andámos alegremente a comprar casas sem ter dinheiro para as pagar (os portugueses são proprietários de mais casas que os alemães!), a comprar carrões a bochechos, a passear nas Caraíbas com dinheiro dos bancos? A não investir um tostão? Não temos culpa de nada?
Com certeza que temos, ainda que com uma importante atenuante: fomos na conversa do “país de sucesso” do senhor Pinto de Sousa, fomos na conversa dos incentivos fiscais às compras mais malucas, fomos em muitas conversas.
Mas não estamos inocentes. Enquanto os alemães, em vez de se pôr a gastar se puseram a poupar e a emprestar ao Estado, nós não só não poupámos nada como gastámos o que não tínhamos e deixámos que o Estado, apesar dos avisos, continuasse a endividar-se no estrangeiro. Votámos nisso!
Visto isto, a culpa não é só dos políticos.
Se nós pagamos, os políticos também devem pagar. Se os políticos pagam, nós também devemos pagar. Certo.
Mas que os exageros fiquem por conta dos indignados e dos invejosos, e não cheguem ao poder, estupidificando-o.
25.5.11
António Borges de Carvalho