CAVACO E A TRAIÇÃO POLÍTICA
Quem, ao longo dos anos, tem feito o favor, ou a asneira, de ir acompanhando as opiniões do IRRITADO, talvez se lembre da forma pouco entusiástica com que acompanhou as presidenciais e como, com uma mão a tapar os olhos, foi votar no Doutor Cavaco Silva - como o Cunhal fez com o camarada Mário Soares.
O objectivo era, evidentemente, evitar a subida ao poder do intragável Alegre. Não há lugar a arrependimentos. Se o candidato da aliança BE/PS fosse eleito, a estas horas estaríamos mergulhados sabe-se lá em que águas, certamente num charco de paspalhices pseudo-democráticas, que muito caro nos custariam.
Visto, porém, o que se tem passado, haverá que concluir que, fosse o challenger alguém merecedor de uma ponta de credibilidade, o IRRITADO, a estas horas, arrepelava os cabelos por ter votado como votou.
O IRRITADO conhecia o Professor e sabia qual o seu estofo. Mas jamais imaginou que pudesse ir tão longe, por omissão, primeiro, por acção, depois.
Durante o primeiro mandato, diante do indiscutível descalabro nacional para que a “gestão” do senhor Pinto de Sousa nos arrastava, dizia o IRRITADO, como muita gente e com carradas de razão, que o Doutor Cavaco sacrificava tudo, mas tudo, inclusivamente a viabilidade da Nação – o que veio a verificar-se - às suas hipóteses de reeleição.
Assim foi. O PR aturou, aguentou e coonestou o inaturável, inaguentável e incoonestável sem tugir nem mugir. Se excluirmos a guerra com os Açores, em que, ainda que com razão, falou desproporcionadamente alto, bem como a ridícula história da “espionagem” em que meteu os pés pelas mãos e se ia tramando, nunca Sua Excelência incomodou a fímbria das vestes do senhor Pinto de Sousa. Deixou passar tudo o que lhe puseram à frente sem um gesto, sem uma palavra, sem uma sugestão de desacordo ou de protesto. Precisava de votos na área dos flutuantes entre o PS e o PSD, não é? Pois é.
Agora, tudo mudou. Mal o governo diz uma coisa, aí vem ele, armado ora em moralista ora em técnico, dizer o contrário. Além disso, dedica-se a fazer guerra à dona Ângela – longe do IRRITADO defender a criatura! – e a tudo que anda por aí – na Europa - como se o que anda por aí se incomodasse com as suas tristes bocas.
No fundo, o Doutor Cavaco nada tem contra a dona Ângela. Mas, como o governo não tem outro remédio senão ir fazendo o que os mandatários e associados dela, bem ou mal, exigem, o Doutor Cavaco, a bem do espelho onde orgulhosamente se mira e admira, serve-se da dona Ângela para atacar o governo.
A coisa vem atingindo níveis absolutamente imorais. Chega ao ponto de mandar a dona Manuela morder as canelas do governo, o que não teria grande importância se não se percebesse que a senhora outra coisa não faz que não seja aviar receitas de Belém.
Tudo pelo lado mais fácil, mais imediato e mais populista, o que torna a cruzada particularmente imoral. É o recurso permanente à revolta dos “mais fracos”, tipo maquinistas da CP, é, quer se queira quer não, quer se diga quer não, o apoio aos vascos, aos otelos, aos “indignados”, aos silvas, aos carecas da UGT e a quejandos. Tudo o que há de mais imediato lhe serve, tudo o que pode fazer vir à crista da onda o seu incomensurável ego, com todos os defeitos humanos e políticos, tantos!, que as pessoas, sobretudo as mais velhas, lhe conhecem de longa data.
Que saudades, meu Deus, de um futuro sonhado em que o Chefe do Estado, um Rei, ou até um Presidente, pudesse representar a Nação, como acontece na esmagadora maioria dos países que nos são próximos!
Nada de bom pode a traição cavaquista (traição, mais que ao partido que chefiou, a todos nós) vir a trazer-nos. Cada dia que passa o homem acelera, sedento de primeiras páginas - como, sem as responsabilidades do PR, vai fazendo o camarada Soares.
Les bons esprits se rencontrent. Não é?
27.11.11
António Borges de Carvalho