DA CONSTITUCIONAL ESTUPIDEZ
O ranhoso ronco de raiva da dona Odete perante a vitória de Salazar na palhaçada dos Grandes Portugueses (“é inconstitucional!!!”) marca o estalar de uma castanha quente na boca da intolerância socialista que provocou a proibição da existência de partidos ou organizações que se revejam no ditador.
Ao arrepio da essência da Democracia, ao arrepio da apregoada tolerância que, em 1976, e muito bem, havia quem defendesse, ficou consagrada tal proibição em sede constitucional.
Trinta anos depois, não faltam sinais que indiquem a enormidade da asneira. Pululam as manifestações de recrudescimento da “doce memória” do contabilista de Santa Comba. Ele é o museu, ele é a mobilização das gentes para a “votação” da RTP, ele é o cartaz do Marquês de Pombal, ele é, acima de tudo, o regresso, ou o ingresso, nas páginas dos jornais e nas conversas de rua, do saudosismo da “autoridade”, do “alguém que ponha isto na ordem”, da “probidade”, da “honestidade”, da “modéstia” e de outros valores de que a ditadura fazia bandeira. Salazar voltou às manchetes.
A raiva da dona Odete, ferocíssima inimiga da Democracia, ao ver o seu herói relegado para um distante segundo lugar, é bem marcante da intolerante e inultrapassável estupidez de quem a produziu, mas também, e isso é que é grave, de idêntica qualidade da nossa ordem constitucional. Proibir a existência de organizações que defendam o Estado Novo, admitindo, ao mesmo tempo, as que defendem o estalinismo é um erro estúpido e ferozmente anti-democrático. É da vera essência do regime que ninguém pode ser excluído em razão das sua ideias.
O resultado, à vista para quem queria ver, tornou-se evidente para todos. Os admiradores de Salazar existem, e têm todo o direito a existir. Se estivessem organizados, saber-se-ia quem são e teriam o peso que tivessem. Deixariam de andar para aí na sombra, teriam responsabilidades e quem sabe se, ao contrário dos partidos comunistas, não se democratizariam.
António Borges de Carvalho