DE PERNAS PARA O AR
Ao contrário do que estabelece o politicamente correcto, nunca esteve certo legislar em cima do acontecimento. Acaba sempre por acontecer que tais leis, ou caem no esquecimento por inúteis ou incompatíveis com os hábitos sociais, ou acabam por ter resultados perversos.
Porquê? Porque não são fruto de um pensamento aturado ou de um princípio geral, mas da pressão do momento ou do oportunismo “moralista” de cada um, desejoso de manchetes e de notoriedade.
Há um bom par de anos, legislou-se no sentido de impedir que um membro do governo, uma vez na “peluda”, viesse a assumir, nos dois anos subsequentes, funções dirigentes em empresas que tivessem estado no âmbito ou nas competências da sua finda função. Por um lado, tal lei nunca foi cumprida a rigor, pela simples razão de que não é cumprível. Não se pode impedir seja quem for de exercer a sua profissão. É um direito básico. Por isso, as pessoas arranjam maneiras de a tornear, e não podem ser acusadas por isso. Não assumem funções dirigentes. Pois não. Mas podem ser assessores, consultores, conselheiros. Por outro lado, há para aí casos de ex-governantes que assumiram funções em empresas privadas cinco ou dez anos depois de ter saído do governo. Não deixam de ser criticados por isso. Cumpriram a lei mas são tão maus, ou piores, que se a tivessem enganado. A coisa depende da imprensa, das circunstâncias, da proeminência de cada um, dos interesses dos seus inimigos políticos, das tradicionais invejas, não de qualquer princípio lógico ou regra moral.
Ou seja, a condenação social não se exerce em relação ao que fazem ou deixam de fazer, nas à simples circunstância de poder vir a fazê-lo. É o contrário de qualquer princípio jurídico ou político. De tantos casos conhecidos de abuso de influência não há um só que tenha tido consequências. Mas há uma série de fulanos que são condenados pela opinião escrita e falada porque aceitaram um lugar, mesmo que o exerçam com intocável competência e honestidade.
É, evidentemente, a forma sobreposta ao conteúdo. Não, com certeza, que a forma não seja importante. Mas é, com não menos certeza, a utilização da forma que pode, ou devia poder ser, objecto de condenação ou elogio.
Um exemplo evidente do tipo de mentalidade que leva aos maiores dislates políticos e jurídicos é a nova lei, anunciada pelo PS, tendente a impedir que os vulgarmente chamados espiões possam exercer funções privadas durante os cinco anos que se seguirem ao abandono da profissão. O PS agarra a oportunidade proporcionada pela rocambolesca história do chefe da secreta que foi para a Ongoing, para dar um ar da sua graça, como se não se tratasse do partido mais nepotista e mais movido por interesses da III República.
Ainda ninguém estabeleceu as culpas do visado. Ainda ninguém declarou saber quantas e quais informações secretas passou ele ao novo patrão. Ainda ninguém foi capaz de identificar quais os segredos de Estado que o homem terá “vendido” à Ongoing. Ou seja, ao contrário do direito propriamente dito, presume-se uma culpa que ninguém provou, ou cuja substancialidade ninguém, sequer, investigou. E faz-se uma lei nova. As “consciências” ficam tranquilas, tudo o resto na mesma. Fez-se um brilharete e… acabou-se. O Dr. Balsemão continuará à porrada com o Dr. Vasconcelos, o Dr. Silva Carvalho continuará bem empregado, passará, ou não, segredos de Estado ao patrão e a vida continuará, paulatina e maçónicamente, tudo como dantes, quartel em Abrantes.
Para acabar, mais uma declaração de desinteresse do IRRITADO, que não tem qualquer simpatia pelo senhor Silva Carvalho, ou pelo senhor Vasconcelos, trutas que não conhece de parte nenhuma, nem pelo senhor Balsemão, nem tem absolutamente nada a ver com as suas guerras, com as intrigalhadas do “Expresso” e Cª, nem com as sombrias manobras dessa malta toda.
Fala do assunto porque se chateia por ver tudo de pernas para o ar.
15.1.12
António Borges de Carvalho