GANCHOS E CENSURAS
Anda para aí uma polémica dos diabos com a história de um jornalista que, chegado ao fim de um contrato, se irritou porque não lho renovaram.
A situação do homem é muito interessante. Sendo funcionário da Lusa, empresa do Estado, e tendo com ela um contrato de exclusivo, trabalhava também para a rádio do Estado, mas sem receber da dita. Vistas as coisas um pouco mais a fundo, o trabalho do rapaz era pago pela rádio do Estado à Lusa (do Estado), a qual pagava ao rapaz o que fazia fora dela sem que o rapaz ganhasse da rádio do Estado, só da patroa “exclusiva”.
A coisa não tem importância nenhuma. É um esquema imaginativo, como haverá milhões por esse país fora. E a quem interessa que o rapaz (ilustríssimo profissional, segundo escreve quem sabe) ganhe a dois ou três ou quatro carrinhos, desde que trabalhe bem? Há só um pequeno detalhe a estragar o ramalhete: o facto de tudo se passar na esfera do Estado. Uma empresa do Estado aldraba os contratos do Estado para pagar a quem quer e ficar tudo nos conformes. Que importância tem? Nenhuma. Entre nós, o Estado não é como uma empresa qualquer, só que pior que as outras? O comunismo e o socialismo não fizeram a III República nascer torta? Portugal não faz o prodígio de ter o pior do socialismo e o pior do capitalismo, o pior do parlamentarismo e o pior do presidencialismo?
Tudo normal, previsível. O caso do insigne profissional não é senão um grãozinho de pó no meio da poeirada.
Outra história, dentro da mesma história, é a da “censura”.
O rapaz, que considerava adquirido que lhe iam renovar o contratinho, acha que não o fizeram porque ele andava a dizer mal do Santos, o tipo de Angola que tem uma filha “empresária”. E quer apanhar o governo nestas curvas. Censura! Regresso ao fascismo! Malandros! Canalhas! Chamem o Louça! Façam inquéritos parlamentares! Venha a PIDE, perdão, a ERC(?), escândalo, tocaram a fímbria das vestes de um sacrossanto e intocável jornalista!
Nunca se saberá se o contrato acabou por causa do Santos - nosso pobre parceiro comercial e financeiro – ou por ter chegado ao fim.
Mas há umas diferenças que é interessante sublinhar.
Por exemplo, o jornal privado chamado Público correu com umas pessoas e meteu outras, na área do comentário político. Safou-se o Pulido Valente, sabe-se lá até quando. Parabéns. Faz-se propaganda a quatro respeitáveis cidadãos, três igualmente palavrosos, de alta valia intelectual e igualmente chatos. E correu-se com a melhor articulista que lá havia, dona Helena Matos. O mindinho cá está, a dizer-me que a senhora levou com os pés por não ter nada de socialista, o que não acontece com os outros, velhos ou recém convidados. Intrigas do IRRITADO, como é de ver.
A diferença a sublinhar é que dona Helena, embora com pena de perder a sua tribuna, não acusou de ninguém de censura, nem de fascismo, nem pôs as culpas para o governo, nem foi pedir batatinhas ao Louça, nem anda a fazer política à custa da coisa.
Afinal, nem todos são fruto da mesma árvore.
25.1.12
António Borges de Carvalho