FIDELIDADE AO BOLOR
A lusa gente anda mergulhada num mar de loas a essa grande figura da Nação que dá pelo nome de Silva, não Cavaco, nem Cavaca, mas Carvalho da. Não há jornal, TV ou rádio que não se desdobre em elogios. Até o espertalhão Soares teve a amabilidade de, em sonora comunicação ao povo, vir reconstruir as suas pontes para o PC, pontes que atravessa ou dinamita quando lhe convém e acha útil. Desta vez, a fé anti “neoliberal” que o anima – leia-se, o ódio a tudo o que não é do partido, irmão ou primo - levou-o a enaltecer as indesmentíveis qualidades do senhor Silva e a desejar-lhe um grande futuro.
Costuma dizer-se que elogiar os mortos faz parte da delicadeza de sentimentos, tanto das massas como das elites. A grande figura do Silva vai-se embora da central sindical comunista. Talvez por isso, faz jus a loas de defunto. O problema, nosso, não dele, é que vai continuar a mexer. Como andou, tipo Pinto de Sousa em Paris, a tirar um curso, vai dedicar-se à “vida universitária”. Já anda por ai a novidade: vai ser “catedrático”(!), e ensinar matérias “sociais”. Depois de ter mantido os sindicatos na idade da pedra marxista-leninista, vai meter umas ideias trogloditas nas cabecinhas virgens da juventude. Não morreu, mudou de ofício, não de objectivos.
A seguir ao Cunhal, não há outro igual. Menos sinistro, menos ave de rapina, menos inteligente, este Silva conseguiu, durante mais de vinte anos, conservar bem vivo o pensamento do seu antecessor. Linguagem diversa, mais “humanidade”, a mesma fé na propaganda do socialismo real, nos amanhãs que cantam, na luta de classes e em tantos outros slogans da cartilha, já não mascarados de “amplas liberdades”, mas metidos em metáforas “democráticas”.
O resultado está à vista. As massas que o PC domina através da malfazeja organização continuam a pensar que é a “luta”, no conceito de há cem anos, o que lhes melhorará a vida. Por outras palavras, o sindicalismo mais retrógrado da Europa continua a achar que os seus interesses são os que Lenine gritava, não os que o poderiam ligar à realidade, que é muito mais rica e enriquecedora que a insistência em patacoadas ideológicas, mesmo que vertidas em disfarces de pacotilha.
É esta a obra do Silva.
“A luta continua”, ululava ontem a populaça da Intersindical, na ignorância atávica que o Silva, puro agente político, se tem encarregado de manter viva e actuante.
Outra figura, ainda mais sinistra, se alcandora no horizonte do futuro da ignorância das massas. Um tal Carlos.
Membro destacado do comité central bolchevista, o Carlos vai conduzir a Intersindical a uma ortodoxia mais clara, tão clara que até os comunistas do BE têm medo dela, como já vieram dizer.
Lá no comité, o Silva há muito andava a ser criticado pelas suas metáforas. O comité central mais retrógrado do universo nem metáforas percebe.
Segundo consta, o Carlos tem mais fidelidade ao bolor.
28.1.12
António Borges de Carvalho