COISA FEIA
O centenário do 5 de Outubro, como é sabido, foi de extrema utilidade cultural e política, já que, pelos interstícios das laudatórias comemorações passaram muitas verdades, verdades que proporcionaram a muita gente a percepção do monumental “barrete” que tal e tão infausto acontecimento foi, a todos os títulos. Em larga medida foi desmistificada e desmitificada a I República e vieram ao de cima cruas e duras verdades, que até o salazarismo tinha mantido a bom recato, para não envergonhar muita gente de quem dependia ou que ia tolerando.
O tiro saiu pela culatra aos agentes de tais caríssimas comemorações. Ainda bem.
O corte do feriado do 5 de Outubro veio pôr tal gente em alvoroço, proporcionando-lhe a repetição de inúmeros equívocos e aldrabices e dando-lhes direito de cidade nos jornais num momento em que as pessoas sérias, estudiosas e respeitadoras da História já não andam a pensar em tal matéria.
À cabeça do coro, o inevitável Manuel Alegre (Alegre da mãe, porque o pai, que não era Alegre, não rimava pela cartilha) desdobra-se em inflamadas paspalhices e chega ao ponto de comparar o 5 de Outubro com o 1º de Dezembro, dando às duas datas similar dignidade. O ilustre escrevinhador, demagogo e socialista, tem o topete de pôr lado a lado a restauração da independência e o caminho aberto para a sua quase perda e para a sua ruína, metido este, no plano interno, em clara perda de direitos de cidadania, em refregas partidárias, em resolução de conflitos à bomba, em assassinatos políticos, numa atmosfera de repressão que faria inveja à PIDE e, no plano externo, numa guerra com a qual pouco ou nada tinha a ver. Por outro lado, esta gente, tão pronta a condenar o “colonialismo” português, não é capaz de reconhecer que a república do 5 de Outubro foi o mais colonialista de todos os regimes portugueses, de Afonso Henriques a Oliveira Salazar.
É essa enorme porcaria que esta gente insiste em comemorar com um feriado, dando-lhe a mesma dignidade que ao 1º de Dezembro. É a cultura republicana, a moral republicana, o respeito republicano pela história e pelo país.
Coisa feia de ouvir e ver.
28.1.12
António Borges de Carvalho