MULTIDÕES
Anos sessenta. Corria no país uma onda de entusiasmo patriótico sobre a guerra do Ultramar, que dava os seus primeiros passos.
O regime aproveitou para organizar uma imponente manifestação de apoio ao Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar. A cidade foi invadida por autocarros vindos “espontaneamente” das mais desvairadas partes para glorificar o grande homem, Lancheiras, piqueniques, gente maravilhada com a grande metrópole, capital do Império ameaçado por gentes há pouco saídas do tribalismo como sistema político e do canibalismo como regime alimentar, com o apoio do imperialismo soviético, da cobardia dos EUA e da decadência do Ocidente.
Nesse dia, ficou célebre a história de uma velhinha que, entrevistada pela Emissora Nacional, ao ser perguntada sobre o que vinha fazer a Lisboa, respondeu: “venho ver um grande homem”. Entusiasmado, o entrevistador perguntou quem era esse grande homem. Ao que a senhora respondeu: “um tal Baltazar”.
Era um directo, a censura não teve oportunidade para cortar o dito da velhota. O pessoal riu durante semanas à custa do episódio.
Na altura, o Terreiro do Paço era mais pequeno. Levava só umas cem mil pessoas, talvez porque havia menos autocarros ou porque o orçamento da União Nacional não dava para mais.
Hoje, tudo é diferente. O Terreiro do Paço foi alargado ao ponto de lá caber uma multidão de, pelo menos!, trezentas mil almas. Os autocarros são em muito maior quantidade e o orçamento da CGTP parece inesgotável. A malta, em vez de vir de lancheira, enche os cafés e as cervejarias. Ninguém vem para ver o Baltazar, mas para adorar o camarada Carlos, também conhecido por Arménio. Não se tecem loas ao Império. Ameaça-se com a revolução de Outubro. Ainda que não haja um Czar para matar nem a quantidade de carne para canhão de que o santo padroeiro do Carlos, de seu nome Vladimir Ilitch Ulianov, dispunha à época. Mas, no dizer esclarecido do camarada Carlos, a luta continua, a burguesia será destruída a seguir à nobreza, havendo então ocasião para dar cabo dos traidores da própria classe operária. Não é dito assim, mas quer dizer o mesmo.
De resto, tudo igual. As camionetas, o Sábado bem passado em Lisboa, o transbordante entusiasmo popular, as miúdas, as velhotas, os organizadores e condutores de massas, as vanguardas da União Nacional, perdão, da CGTP, as palavras de ordem muito melhor ensaiadas dada a existência de megafones, um nunca acabar de demonstrações de profissionalismo.
O milagre das trezentas mil pessoas, a magnífica organização, os meios financeiros, a obediente disciplina das massas, a ausência de gafes das velhinhas da província, a cobertura jornalística, tudo demonstra que a CGTP, nestas matérias, mete a União Nacional num chinelo.
12.2.12
António Borges de Carvalho