HÁ A AUSTERIDADE
Estamos todos mergulhados na austeridade.
Há quem tenha percebido porquê.
Há quem ainda não tenha percebido.
Há quem tenha percebido mas faça de conta que não percebeu.
Há quem aceite por achar que não há outro remédio.
Há quem não aceite porque acha que há outro remédio, embora ninguém saiba, ou diga, de que remédio se trata.
Há quem ponha as culpas para o Pinto de Sousa.
Há quem ponha as culpas para o Passos Coelho.
Há quem ponha as culpas para a dona Ângela.
Há quem ponha as culpas para o servo da dona Ângela.
Há quem ponha as culpas para os dois.
Há quem ponha as culpas para a “Europa”.
Há quem ponha as culpas para o Barroso.
Há tudo para todos os gostos.
Há uma vasta série de portugueses a quem a austeridade, pelo menos em parte, se não aplica: os que têm rendimentos mais ou menos miseráveis.
Há outra, também vasta, categoria de portugueses que acha que está fora da coisa, isto é, que a austeridade, boa ou má, necessária ou não, se aplica aos outros, não a si.
Por exemplo:
Há os militares, que recusam ceder um milímetro e se metem na política como se fossem um partido. Os mais deles, se ainda houvesse Forças Armadas dignas desse nome, já tinham sido mandados para a peluda, quisessem ou não, por falta de respeito para com a hierarquia, para com todos nós, para com a Nação que juraram defender (mesmo com sacrifício - da vida (?!), não dos tostões).
Há os magistrados, que chegam ao cúmulo de usar a Constituição para defender os seus interesses corporativos e fazem reuniões e manifestações contra o governo. Ninguém, a começar pelos líderes da corporação, os mete na ordem.
Há médicos e enfermeiros que querem mais horas extraordinárias.
Há secretários de estado que contratam uns tipos e, burros que nem uma casa, dividem o bolo por 14 em vez de dividir por 12.
Há os tipos dos autocarros e os dos comboios, os dos barcos e os dos aviões. Tudo gente a quem, no seu alto critério, a austeridade não se pode aplicar.
Há os tipos da CGTP, da mesma opinião, desta vez com desculpa uma vez que, seja como for e na circunstância que for, estão contra, acham que a sociedade serve para lhe pagar o que eles querem, e para os fazer trabalhar o menos possível, ou nada, sem prejuízo dos aumentos.
Há os que “justificam” as atitudes desta malta toda.
Por exemplo:
Há os ideólogos do PC, que acham tudo mal, e com razão, porque só achariam bem se fossem eles, só eles, a mandar. Mesmo que estivesse tudo a morrer de fome, era em nome da construção do socialismo, e pronto.
Há os teóricos do BE, que postulam ideias gordas com inteligência magra.
Há os tipos do Seguro, que acham que está tudo mal, mas não têm a mais remota sombra de ideia de como poderia estar bem.
Há os malabaristas do Pinto de Sousa, que acham que o Seguro está tão mal como o resto, e que sonham com a manhã de nevoeiro em que o seu padroeiro há-de regressar de Gália no seu cavalo às riscas, cheio de diplomas e de dinheiro.
Há uma menina, completamente tonta, que manda a austeridade para o Tribunal Constitucional.
Há os pachecos pereiras, que são da mesma opinião, ainda que mais “intelectualizada”.
Há, qual cereja no toutiço do bolo, um Presidente da República que acha a austeridade uma chatice, se aplicada a si mesmo.
Há, finalmente, o governo, que não tem outro remédio senão ir fazendo o que faz, na esperança que resulte. Resulte ou não, a culpa não será dele.
17.2.12
António Borges de Carvalho