DO ENCRISTAMENTO DA PÁTRIA
Desde os tempos da II República – anos 60 ou 70 – que se fala de energia nuclear em Portugal. Talvez porque o Generalíssimo, aqui ao lado, já tivesse optado por ela, talvez porque os jovens turcos saídos do Técnico empurravam em tal sentido.
A sua argumentação baseava-se na moda europeia, e não só europeia, isto é, no facto de ter havido países que depressa chegaram à conclusão que tinham duas opções: ou continuavam a “empurrar” a sua economia industrial, para o que a energia nuclear era incontornável, ou perdiam o combóio energético por muitos anos e maus.
Por cá, chegou a haver um local destinado à instalação: Ferrel. Não sei onde é Ferrel, mas sei que foi o local escolhido.
Ficaríamos por um reactorzinho experimental ou científico, ali para os lados de Sacavém.
Daí em diante, nada. Fundou-se o clube dos empatas, aflitos com os perigos da coisa mais que com o progresso económico do país. Nos primórdios da democracia muita gente disse que a energia nuclear devia ser uma das prioridades do país. Aos que vociferam ecologicamente, era respondido que já havia uma central espanhola na fronteira e que, a correr perigo, que corrêssemos o nosso e não o dos outros.
Grassava na Europa a moda dos no nukes, com o seu folclore de rua e a sua descabelada, mas ouvida, argumentação. O desastre de Chernobyl - visto por toda a gente menos pelo Álvaro Cunhal - fruto do total descalabro tecnológico da URSS, veio dar alento às vozes da “correcção”.
Os anos foram passando. Aos poucos, a própria eco-ideologia, ou religião, com excepção de alguns tresloucados, percebeu que o nuclear era a mais limpa e ecológica de todas as formas de energia, renováveis incluídas, a mais fiável e até a mais barata.
A tecnologia evoluiu. Os novos reactores oferecem mais segurança e mais benefícios económicos que os anteriores. O problema dos lixos está em vias de solução. Os europeus, pelo menos os que têm alguma visão de futuro, relançaram os seus programas nucleares.
Aconteceu Fucoxima. Relançou-se o terror. O problema não foi o maior desastre natural de todos os tempos, mas haver uma central na área destruída pelo tsunami! Houve milhares e milhares de mortos, nenhum por causa da central. Mas o primarismo anti-nuclear foi recuperado, os medos re-explorados.
Por cá, o senhor Pinto de Sousa há muito tinha sossegado as boas almas. “O nuclear não está na agenda do governo”, declarou solenemente. Perdeu-se mais uns anos, mergulhados que fomos em caríssimos e infiáveis moinhos de vento, com o seu cortejo de centrais térmicas por trás, vendidos ao povo, a preços de maluquice, como se se tratasse da salvação da Pátria.
Surgiu então, de americanas paragens, um português de sucesso que se propôs construir uma central nuclear, financiando-a e garantindo preços ao consumidor bem mais atractivos que os que se pagam actualmente e que incham a cada dia que passa. Não teve, sequer, com quem falar no assunto. O governo não quis saber do homem para nada, ninguém podendo dizer se a sua proposta tinha ou não pés para andar. Nesta matéria, como em muitas outras, o governo portou-se como o bêbado que dizia “eu sei que estou embriagado, mas a vossa opinião põe-se de lado”. Rima, e foi o que aconteceu. Assim, um dos poucos países europeus que tem matéria prima com fartura para alimentar centrais nucleares, recusou-se, sequer, a discuti-las.
Entretanto, a factura das renováveis renova-se cada dia com maior intensidade e exigência.
O problema, agora, é que parece que o actual governo vai pelo mesmo caminho. A ministra Cristas já veio dizer, noutros termos, o mesmo que dizia o senhor Pinto de Sousa.
Já estávamos anquilosados. Agora, estamos encristados.
Que São Pancrácio os ilumine!
27.2.12
António Borges de Carvalho