MONTANHAS E RATOS
Rezam os jornais que ontem, em soleníssima sessão pública, se sentaram a uma florida mesa os seguintes craques e "altos dirigentes do país": o secretário de estado do trabalho, o coordenador do plano tecnológico, o presidente da Agência Portuguesa de Investimento, o director geral da Cisco Portugal (?), e mais dois elementos da dita agência.
Para quê? Para anunciar que a tal Cisco vai criar... cinquenta postos de trabalho, talvez oitenta aqui a uns tempos.
De que magnífico investimento se trata? De um "centro internacional de apoio ao negócio".
Quem vai ser empregado do centro? Pessoas com deficiências e cidadãos, abundantes no país, com "cultura de trabalho".
Houve outros países interessados? Sim. Quantos? Oito. Quais? Não foi dito.
Que condições, fiscais e outras, foram oferecidas à Cisco pela API? Não se sabe.
Quando acontecerá a coisa? Também não se sabe. Só se sabe que a Cisco anda à procura de sítio.
Seguindo a nossa delirante imaginação, expliquemos o que não foi dito na soleníssima sessão, ou o que quer dizer o que foi dito:
A tal Cisco, seja ela o que for (não foi dito, como se a Cisco fosse a General Motors ou a Companhia de Jesus), precisa de montar um call center. É sabido onde as multinacionais costumam instalar os call centers: no Bangladesh, no Baluquistão e noutros progressivos países do terceiro mundo. Não é?
A tal Cisco procurou, procurou... e escolheu Portugal. País onde há "recursos qualificados competitivos", quer dizer baratos, "país cheio de vantagens objectivas", país... blá, blá, blá.
Prenhes de orgulho, os portugueses rejubilam. Os tipos da Cisco são objecto das mais variegadas benesses, fiscais e outras, que isto de investimento estrangeiro não é todos os dias, e há que dar aos rapazes condições que o vulgar e ignaro portuga não tem o direito de almejar.
Além de tudo o mais, segundo foi explicado por sua excelência o presidente da API, o espantoso investimento tem a virualidade de "estimular as relações económicas entre Portugal e os Estados Unidos". Lapidar.
Sei de uns engraxadores marroquinos que estão interessadíssimos em investir em Portugal. Daqui me atrevo a sugerir que lhes seja dado visto de residência permanente, e que, através da API, o estado lhes forneça as caixas da graxa, devidamente estofadas, e uma dose de arranque de consumíveis. Além disso, justo será que se lhes seja outorgada uma isenção de IVA, de IRC e de IRS, a vinte anos, bem como um subsídio para os vencimentos dos engraxadores portugueses que, devidamente licenciados, e seleccionados, a expensas do governo pela Goldman Sachs, se prestarem, jubilosamente, a cooperar no projecto.
Será justo e de bom tom que a coisa seja lançada no Centro Cultural de Belém, com a presença do maior número possível de engenheiros do governo e de doutores dos jornais.
António Borges de Carvalho