NUMEROSA CAVALGADA
Aqui há dias, numerosa cavalgada apeou-se à porta de São Bento em fremente alarde de indignação pela diminuição de subsídios de que foi vítima a nobre estirpe dos chamados cineastas, gente que, diz o povo ignaro, deveria ser conhecida por Brigada dos Chatos.
Diminuir os subsídios? Então, ó burros, não vêem que a cultura é intocável? Não vêem que se trata de produtores culturais e que sem produtores culturais não há cultura e, não havendo cultura, não há país? Carradas de razão. Ainda por cima, dada a estupidez endémica do povo, não se vende bilhetes para as obras dos cineastas. Donde se conclui que, ou o Estado lhes paga a brilhantíssima existência e as extraordinárias obras ou deixa de haver maneira de brindar o povo com as suas inigualáveis produções. E aquelas dezenas de pessoas que ainda compram bilhetes para a elas assistir? Ficam ao abandono, ou sujeitas a ir ver porcarias feitas no estrangeiro, com terríveis consequências na balança de pagamentos da Pátria?
Se o Papa não tivesse pago ao Miguel Ângelo, havia Capela Sistina? Que aconteceria ao Mozart, se não fossem uns arquiduques a sustentá-lo, apesar das intrigas do Salieri?
Isto não se mete pelos olhos dentro?
Então como se pode compreender que os nossos miguéis ângelos e os nossos wolfgangs do nimas vejam diminuídos os seus sacrossantos proventos? Então esses insignes produtores de cultura são atingidos pelos cortes orçamentais como se fossem meros cidadãos, esses sim, a merecer todos os cortes e mais alguns, já que não compram bilhetes para o cinema nacional?
Que tem a numerosa cavalgada a ver com a escumalha? Porque há-de a numerosa cavalgada ser objecto dos mesmo cortes a que a vilanagem está sujeita? Como pode isto acontecer num país que se diz civilizado?
É certo que há produtores culturais que nunca receberam benesses do Estado, e que se encheram de euros. Olhem o Lobo Antunes, olhem o Saramago e tantos outros. Pediram dinheiro para a esferográfica ou para o computador? Esses não contam, como é evidente.
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Hoje, o ciberespaço anda indignadíssimo com a demissão dos líderes do cinema e do audiovisual, certamente adeptos da numerosa cavalgada, a quem o Secretário de Estado, cínico!, teceu inúmeros elogios e se apressa em substituir.
Intolerável!
Acresce que um tipo, talvez inimigo da mumerosa cavalgada, veio ontem à TV declarar que os cortes (33%!) que foram feitos à Casa da Música, do Porto, iriam ser ultrapassados sem problemas de maior, mercê da gestão cuidada da organização e dos apoios que continuaria a receber dos seus habituias contribuintes privados, nacionais e estrangeiros.
Ora um tipo que não se queixa, que vai em frente, que não mendiga, que não se acha mais que os outros, merece alguma consideração?
Certamente.
Mas não da numerosa cavalgada.
17.5.12
António Borges de Carvalho