ELOGIO DA CORRUPÇÃO
Aqui há anos, o IRRITADO leu, de uma filósofa francesa, uma obra que tinha por excitante título “Éloge de la Corruption”*.
A senhora quereria provocar a curiosidade do público sobre a sua obra. Com justiça e sucesso, na opinião do IRRITADO.
Não se assustem. Entre outras matérias, o livro põe em confronto a corrupção propriamente dita com as formas que o politicamente correcto, ou a “moral” dominante, adoptam para, soit disant, a combater. Isto para concluir que muitas vezes são mais corruptas tais formas, pelo menos do ponto de vista dos princípios do estado de direito, do que a corrupção ela mesmo.
Gostamos sempre de ler o que vem ao encontro do que pensamos. Foi o que aconteceu ao IRRITADO.
Posta esta “declaração de interesses”, vamos ao que importa.
O DN de ontem apresentava ao povo um senhor, de seu nome Morais (coincidência?), nada menos que vice-presidente de mais uma protuberância da nossa inteligentsia, a Associação Transparência e Integridade, certamente formada por altíssimas e inquietas figuras, prenhes de fervor e de princípios.
Alvo do senhor, o Parlamento. Nada de original, já que se trata, por excelência, do bombo da festa .
Começa o Morais por afirmar que “o Parlamento é um escritório de representação de empresas”. E não se fica sem apontar o dedo. Diz ele que o senhor Frasquilho (PSD) “trabalha na área da banca”, que o senhor Nunes (CDS-PP) “colabora num escritório de advogados ligado à EDP, que o senhor Pinto (PSD) é nada menos que “consultor de empresas ligadas também à EDP”. E acrescenta que o senhor Isaac (CDS-PP) “tem negócios em empresas ligadas ao sector agrícola”. A não ser a este último - que o Morais acusa de, via ministério da agricultura, “atribuir subsídios a empresas de que eles próprios (não se sabe quem são os outros) são gerentes” - nada de concreto refere.
Duas pequenas observações:
- Os três primeiros são acusados de coisa nenhuma a não ser de ser quem são ou o de fazer o que fazem na “vida civil”;
- Em relação ao quarto o Morais lança uma acusação sem especificar e insinua que há outros culpados;
- Todos os “acusados” são deputados da maioria.
Daqui se conclui que:
- Os senhores que tanto excitam a tão preclara indignação do Morais, ao cero, são culpados de coisa nenhuma. São maus porque são o que são, não por ter praticado qualquer malfeitoria.
- A “corrupção” é exclusivo do centro e da direita, sendo a esquerda constituída por impolutos e moralíssimos cidadãos, que não podem nem devem servir de exemplo ao senhor Morais
Mas há uma luz ao fundo do túnel! É que, concede o nosso homem, há “deputados honestos”. A estes, a soberana autoridade moral do Morais atribui a alta missão de “separar as águas”. Ora como não andam, no Parlamento, uns tipos a separar as águas com um rodo gentilmente fornecido pelo Morais & Cª, hemos de concluir que, afinal, não há deputados honestos. O que nos dá a medida da alta inteligência do Morais e da profundidade da sua moral.
Indo um pouco mais longe na exegese do pensamento do Morais, vemos que ele, à la limite, acha que, para se ser deputado é preciso nunca ter feito nada na vida, não ter trabalhado ou não trabalhar em qualquer empresa e, para levar a coisa aos píncaros, o deputado deverá, de preferência, ser analfabeto ou coisa parecida.
Pensando bem, pensando à la Morais, como pode um diplomata ser membro da comissão de negócios estrangeiros? Como pode um engenheiro civil pertencer à comissão de obras públicas? Como pode um militar ter assento na comissão de defesa? Um médico na comissão de saúde? Corrupção! Crime! Um horror.
O IRRITADO sabe que quem faz o favor de o ler é capaz de estar a pensar que ele é membro da classe dos corruptos e defensor da sua actividade.
É devida uma explicação.
Numa sociedade civilizada, se alguém tiver conhecimento de um crime, v.g. de corrupção ou análogo, deverá informar quem de direito. Quem de direito investigará. Quem de direito acusará. Quem de direito julgará.
Dir-se-á que há casos que, merecendo atenção, não integram o conceito, ficando-se por aquilo a que se poderia chamar “ilícitos políticos”, atitudes politicamente censuráveis, mas que não são do foro judicial. São política, não corrupção. Corrupção é crime que se pune criminalmente. Os “ilícitos políticos” punem-se politicamente.
Ora os “morais” da nossa praça, verdadeiros torquemadas do século XXI - para dizer o mais suave – são a vera face da mais grave corrupção, que é a corrupção do espírito.
Quem é o senhor Morais? Que autoridade tem para lançar anátemas e acusações? É ministro dos aiatolas? Se o senhor Morais tem elementos concretos para acusar quem acusa, que vá à polícia, ao PGR, que publique e document o que sabe nos jornais, que faça qualquer coisa de legítimo! E que faça o favor de perceber que é um tipo como outro qualquer, a quem nada nem ninguém conferiu o direito de se armar em juiz, em denunciante sem ter nada para denunciar, em bufo, em, em…
Para os verdadeiros corruptos não há nada melhor que os Morais cá do sítio. Estes, como andam para aí a atirar o barro à parede, barro que não cola, nem deve nem pode colar, acabam por se tornar nos grandes encobridores da corrupção.
Nada melhor para a corrupção e os corruptos que a floresta de confusões que esta gente cria, sítio ideal para a se esconderem atrás das árvores.
7.6.12
António Borges de Carvalho
* Marie-Laure Susini, Éloge de la Corruption, Fayard 2008