UM ANJO
Do Eden tudesco, onde altas almas campeiam, desceu sobre nós, angélica, pura, casta, misericordiosa, a figura insigne desse espírito de eleição que se chama Constâncio. Sursum corda!
Abrangente, constante, firme, formoso, cabelo pintado de preto a fim de se confundir com a humanidade, qual bíblica e inspiradora pombinha, lançou sobre nós, pobres, incautos e ignorantes mortais, a luz esclarecida e esclarecedora da sua formidável sabedoria.
Ele que, inesquecivelmente, soubera inspirar a Nação com a manufactura de um conveniente e putativo orçamento - base e ânimo do saudoso governo do hoje filosófico emigrante que, em Paris, ilumina as almas gaulesas com o brilho da sua presença – desceu a visitar este jardim, assim nos honrando, inspirando e iluminando.
E disse de sua justiça aquilo que aos vis quão infelizes ex-súbditos do glorioso parisiense, vítimas de endémica ignorância, jamais tinha ou teria ocorrido.
É que, afinal, o Banco de Portugal, dirigido pela sua gigantesca figura, não sabia de nada do que se passava no BPN, ainda menos no BPP!
Ele havia por aí, é verdade, vozes maldosas e desconfiadas a tecer aleivosias e a fazer denúncias. Mas a ilustre nacional instituição não ligava a aleivosias ou denúncias, por isso não tinha que saber de nada. Não era da sua competência!
Vozes de tolos não chegam ao céu, o angélico Constâncio não tinha poderes investigatórios, não tinha nada que suspeitar, as contas que lhe apresentavam estavam certas, havia contabilidade escondida em Cabo Verde e na casa de banho do Dr. Loureiro, como havia o regulador de regular? Os maus pagavam juros acima da média, os maus faziam negócios duvidosos, os bancos estavam sujeitos a regulação, tudo isso é verdade, mas como podia o Constâncio saber? Ele não é polícia, pelo contrário, paira nas zonas etéreas onde só os escolhidos têm lugar, longe, nas plagas esotéricas onde só acedem os iniciados e a que os mortais não sobem.
Obrigado, ó Constâncio, pela luz do teu espírito, pela nobreza do teu pensamento, pela inatacável lógica da tua nobre posição. Eu te saúdo ó maravilha fatal da nossa idade! Em nome dos ignorantes, dos néscios, dos desconfiados, dos parvos, que somos todos nós, eu te saúdo e te agradeço!
Nada melhor que o 10 de Junho, dia da Pátria, para esta singela homenagem ao teu saber. Só é pena que não tenhas sido condecorado nesta ridente data, certamente por seres um anjo. É que os anjos não se condecoram. Veneram-se.
10.6.12
António Borges de Carvalho