SALVAR A PÁTRIA
“Não acabava (o post anterior), quando uma núvem que os ares escurece / sobre nossas cabeças aparece. / Tão temerosa vem, e carregada / que põe nos corações um grande medo...
Se Camões fosse vivo, talvez comentasse assim esse Adamastor de palhaçada que por aí se parangona, a anuciar a salvífica reunião de um “Congresso Democrático de Esquerda”.
Duas observsções preliminares.
1 -A esquerda, como a ditadura era tida por de direita – do ponto de vista da importância do Estado em relação aos cidadãos era tão de esquerda como a esquerda – tomou a “decisão” de publicitar que a democracia, por definição, é de esquerda, coisa que a história e a prática demonstram ser mentira, mas que, dado o atraso mental que caracteriza a esquerda deste país, continua a ser “fé dos crentes”. É a estupidez e a trafulhce ideológica em acção.
2 – É sabido, e confesso, que a generalidade da esquerda anda à nora, sem saber o que fazer. Acha que a crise é “de direita”, normalmente aquela direita a que chama liberal, ou neoliberal(?), mafarrico eleito para justificar a crise, mas, como não tem uma só ideia com pés e cabeça para a ultrapassar, entretem-se a vituperar os seus inevitáveis resultados e a sonhar com o dia em que tais resultados façam cair o tenebroso governo “da direita”, coisa que proporcionaria aos da esquerda uma oportunidade de ouro de voltar a gastar o que não tem, mascarado de “despesas sociais”.
O novo Adamastor, felizmente tão perigoso como o do Bartolomeu Dias, é chefiado pelo Carvalho da Silva, já que o PC, dessolidarizando-se da iniciativa, não podia deixar de lá meter os seus agentes ao mais alto nível, do dito ao inevitável Siza Vieira, tudo gente do melhor. Soma-se um virtuoso escol, da dona Manuela Silva, protuberância católica e progressista do defunto pintassilgismo terceiromundista , ao famoso Vasco Lourenço, de brilhante inteligência, a figuras famosas do PS, entre elas o tristemente conhecido Pedroso, o Sérgio Sousa Pinto, emérito distribuidor de preservativos, o inacreditável Pedro Nuno Santos, que só debita asneiras, a dona Catarina Mendes, o mais desagradável membro da classe política, a rapariguita que era chefe dos indignados mas que já se zangou com a organização, altas patentes do Bloco de Esquerda, et alia.
Este distinto bouquet de cérebros da nossa democracia “não quer hostilizar ninguém” (Carvalho da Silva), entenda-se ninguém da esquerda radical, PC incluído, e que, como diria o Álvaro Cunhal, “congrega vastos sectores da sociedade”, “tudo gente inquieta capaz de construir alternativas” (José Reis – seja ele quem for).
Louvável, não é? Podemos estar descansados.
Além disto, segundo o Big Chief Carvalho da Silva, o movimento começa e acaba aqui, isto é, “não tem agendas futuras”, não quer transformar-se em partido político nem arranjar problemas seja a que partido de esquerda for. Nobre intenção. Lida a coisa como deve ser, o homem, por iniciativa própria ou por ordem do comité central, não quer ferir sensibilidades comunistas que poderiam não gostar destas liberdades. Além disso, longe do camarada arriscar-se a prejudicar a sua candidatura a PR, já apoiada por esse liuminar da democracia socialista em que Soares deu. Carvalho da Silva toma os seus cuidados: chamar o pessoal da filarmónica, aceitando os instrumentos que quiserem trombonar a seu favor. Como abertura da campanha presidencial, não está mal.
Nesta ordem de ideias, os “democratas de esquerda” que se unem para salvar a Pátria mais não são que a sementinha de um projecto de poder. Já que lá não se chega por São Bento, que se chegue por Belém.
O resto são as “soluções” do costume, ainda que com palavreado mais doce, para não espantar os pardais, mas a querer dizer o mesmo: a troica que se lixe, os credores que se encolham, a Merkel que vá mandar lá em casa, os mercados são bandidos, o Holande – até ver – é um herói, reformas aos 35 anos, 22,5 horas de trabalho por semana, um nunca acabar de consumo (para relançar a economia!), “direitos” sociais para todos, renegociar a dívida, pôr essa gente toda nos varais, nacionalizar a banca, um mar de receitas para nos levar às profundezas do inferno.
Muito tem a Nação a a receber desta trupe. É de esperar que a Nação lhe dê a confiança que merece.
28.6.12
António Borges de Carvalho