DO CRIME TABAGISTA
Andam por aí uns fulanos a protestar contra o facto de as multas a aplicar aos novos criminosos da proto-ditadura socrapífia (os fumadores) serem o dobro das aplicadas aos consumidores de bem mais inocentes produtos, morfina, heroína, cocaína, extasy e similares.
O Estado, que já cobrava, e muito bem, aos abomináveis indivíduos, a módica quantia de mil e quatrocentos milhões de Euros (números do fisco relativos a 2006), propõe-se persegui-los umas multinhas, rendosas e bonitinhas, no generoso afã de proteger a higiene de terceiros contra os inqualificáveis abusos dos criminosos.
Dona Fernanda Câncio, plumitiva do regime, acha muito bem. Então não havia de achar? Os criminosos empestam, com o seu vício, o ar respirado pelas pessoas de bem, assim agravando o repugnante crime que praticam ao fumar. Os utilizadores dos outros produtos, no parecer da distinta intelectual, não fazem mal a ninguém, a não ser a si próprios. Por isso, segundo a moral socrapífia apregoada pela dona Fernanda, não se pode confundir o vício de uns, coitadinhos, com o crime dos canalhas. Lapidar. Evidente. Genial.
Há um pequeno detalhe, de que a nobre senhora se esquece. Nada mais nada menos que o facto, indesmentível, de mais de metade da criminalidade violenta em Portugal ser consequência directa das substâncias cujo consumo, no douto parecer da dona Fernanda, deve ser objecto de multas mais leves que as dos fumadores.
Demos, apesar de tudo, o benefício da dúvida e a mão à palmatória. Talvez a socrífica propagandista tenha alguma razão: de facto, matar uma velhinha para a roubar, assaltar a casa de cada um, dar umas facadinhas a uns fulanos, violar uns miúdos, sacar as carteirinhas das senhoras no meio da rua, espancar uns funcionários numas bombas de gasolina, não passa de pecadilhos comparados com os tabacais eflúvios que, partindo dos narizes dos fumadores, podem, se não forem exemplarmente reprimidos, penetrar nos delicados pulmõesinhos da dona Fernanda, podendo levar ao indesejável extremo de nos privar das suas preclaras opiniões.
António Borges de Carvalho