FUNDACIONAL REBALDARIA
Na sua irremediável ignorância, pensava o IRRITADO que uma fundação era uma instituição privada, criada a partir dos meios financeiros e funcionais postos à sua disposição para fins sociais, culturais ou outros não lucrativos ou quase. O seu ponto comum seria o de prestar serviços à sociedade a partir da gestão de tais meios. Assim, tratar-se-ia, por definição, de algo que não dependia do Estado mas, a cem por cento, da boa gestão dos meios “em caixa” e daqueles que a sua actividade pudesse gerar, mas sempre ao nível exclusivamente privado. Pelo menos é o que sucede, por exemplo, nos EUA, onde há hospitais, universidades, bibliotecas, um mar de instituições criadas por beneméritos e funcionando a partir dos meios que as criaram, no exercício, quer dizer, dentro dos limites dos fins para que foram criadas. Ao Estado compete enquadrá-las legal e fiscalmente. Mais nada.
Em Portugal, estas ideias são pura fantasia. As “fundações”, salvo raros casos, destinam-se a sacar dinheiros públicos para os seus “beneméritos” fins, bem como a fugir aos impostos. Além disso, inventou-se, negando o próprio conceito de fundação, uma coisa extraordinária, absurda e abusiva: as “fundações” públicas.
No tempo dos anteriores governos, este sistema atingiu o paroxismo da escandaleira. Ao ponto da haver uma fábrica de computadores que recebe, de uma “fundação” cem por cento pública, a fundo perdido, várias centenas de milhões de euros do erário público para o desenvolvimento do seu negócio.
Ponhamos de lado saber se a distribuição de computadores às criancinhas é uma coisa boa ou uma coisa má. O que nos traz, por agora, é saber como saem tais milhões, sem concurso (as “fundações” não são legalmente obrigadas a fazer concursos), sem impostos, sem outro controle que não seja o do próprio receptor dos tais milhões. Os computadores não são vendidos ao Estado, mas a uma benemérita “fundação”… do Estado.
Este exemplo, mais gritante que os demais, é seguido em inúmeros casos. Há fundações formadas para glorificar ad eternam fabulosas personalidades, tais a de Mário Soares ou a de Saramago. Aquela, além de receber umas largas massas, chega ao ponto de alugar ao Estado o gabinete do fundador na fundação, para alojar o ex-presidente, que é o presidente da fundação! Esta, para além de outros caros e excepcionais privilégios, chega ao ponto de receber a título gratuito, devidamente “adaptado” aos seus fins, um edifício emblemático de inegável importância para Lisboa e para o país, a Casa dos Bicos, onde, alegadamente, guarda preciosidades tais que a biblioteca do coronel/camarada Gonçalves, uma das mais sinistras figuras da nossa história recente.
Depois, como tem vindo nos jornais, as trafulhices assumem dimensões oceânicas. E o Estado só fala em cortar cinquenta por cento! Devia cortar tudo!
Se o Estado chegasse a tal ponto, levantar-se-ia, da parte dos muitos que, agora, o criticam por ficar a meio caminho, um coro de indignação: é que haveria pelo menos mais uns dez mil desempregados a juntar aos que já existem.
Ninguém quer aceitar que cortar na despesa publica é, em muitos casos, quase só cortar em despesas de pessoal.
Tal a selva em que nos meteram.
4.8.12
António Borges de Carvalho