AINDA O TÚNEL
Anteontem, na telefonia do carro (raramente a acendo), dei com uma voz que vituperava, em termos vigorosos e definitivos, o túnel do Marquês. A fraseologia, a “certeza” técnica, a “autoridade” doutrinária, levaram-me a pensar que se trataria de algum membro do comité central do PC, assaltado por uma crise de ciúmes e de frustração por ver a obra realizada. Como já não há mais argumentos, o homem insistia na “impossibilidade” de abrir o corredor da António Augusto Aguiar, para além das consabidas diatribes sobre o “atrazo”, evidentemente devido à incompetência da dupla Santana Lopes/Carmona Rodrigues, que não aos crimes de outro partido comunista, pela mão do inacreditável Fernandes.
Qual não é o meu espanto ao perceber, ao longo do programa, que se tratava de um ilustre (dizem) cirurgião, que afirma já ter operado umas cinco ou seis mil pessoas e que usa surgir em todos os jornais, rádios e televisões, a dar opiniões sobre tudo e mais alguma coisa. Julgo que o homem, conhecido “lagarto”, não tem nada a ver com os partidos comunistas.
O assunto em si tem a importância que tem, ou seja, nenhuma. Mas vale a pena pensar um bocadinho. Toda a gente percebe que o túnel é um formidável acréscimo de valor para a cidade. Não há um único utilizador que o não reconheça. Não há quem não deseje que o problema da saída para a A.A.Aguiar se resolva o mais depressa possível. Só uma abordagem possidónia, ignorante e provinciana do problema pode levar a afirmar que não há solução. O cirurgião deve saber que, em cidades civilizadas, há túneis que se cruzam, sobrepoem e ladeiam aos sete, aos oito, aos dez, por vezes a centímetros uns dos outros. Então porque se insiste na maledicência? Porque é que um cidadão cosmopolita e famoso se encarniça contra a coisa?
Eu explico. É que, na nossa sociedade primitiva e saloia, para se ter lugar nas rádios, nas televisões e nos jornais, é preciso defender “o que está a dar”. O que (ainda) está a dar nestas matérias é demolir Santana Lopes e Carmona Rodrigues. O cirurgião, para se aguentar na crista da onda, mais não tem que, cortiçamente, a cavalgar. Voilá.
Pois se até o inestimável Mendes tomou a dianteira demolindo-se a si e aos seus, porque razão não há-de um cirurgião lagarto e mediático apanhar o combóio?
O homem, afinal, tem carradas de razão.
António Borges de Carvalho