NÓMADAS E SEDENTÁRIOS
O ilustríssimo e extraordinário advogado José Miguel Júdice anda a ser vendido ao respeitável público como principal apoiante, quiçá referência, da candidatura governamental à Câmara de Lisboa corporizada pelo ambicioso Costa, a man for all seasons.
Uma coisa diferencia os dois homens.
O Costa é um sedentário. Feroz militante do Partido Socialista que temos. Ainda rapazinho, já circulava pelos corredores à procura de trabalho partidário. É um tipo que, goste-se ou não (eu não gosto, porque não gosto do PS), tem uma cara, uma fidelidade, um rumo, todos sabemos quem é, tem um sítio onde estar, e onde está.
O Júdice é o contrário. Um nómada. Diz quem o conhece que militou em infernas regiões de direita nacionalista, da pura e dura. Já homenzinho, ter-se-á esquecido disso, e surgiu a mandar bitates no PSD. Parece que ganhou umas massas largas, lá pelas bandas do escritório do dr. António Maria Pereira. Honra lhe seja. Foi bastonário dos advogados. Honra lhe seja. Descobriu que era nobre, salvo erro da nobre estirpe dos Alarcões. Deu em hoteleiro.
(Estive dois dias nas judicieiras instalações, e jurei para nunca mais. O quarto era uma soda, a água do miserável laguinho estava podre, cheia de bicharada, os tipos tratavam-me por senhor António, não havia uma alma caridosa que soubesse fazer uma sanduíche, ainda menos um chá.)
A partir de certa altura, o ilustre cidadão começou a dar sinais de “independência”, isto é, caso a caso, mandava as suas bocas, sem se perceber lá muito bem de que lado estava. Deve achar-se uma referência, pensavam os críticos. Coitado. Há dias, comunicou urbi et orbe que tinha rasgado o cartão do PSD. Ninguém percebeu lá muito bem o que aquilo queria dizer. Mas tratava-se de sábia atitude, cheia de visão de futuro. Um amigo meu, conhecedor profundo da natureza humana, disse-me “vais ver, não tarda nada temos aí outro Freitas”. E não é que tinha razão? O homem mostra as suas qualidades de transumante. Já chegou ao PS. Como o Costa é tido por esquerdista dentro do partido, havia que lhe criar alguma credibilidade à direita. Nada melhor que ter o prestigioso causídico ali à mão, cheio de vontadinhas.
É notável como os sedentários se juntam aos nómadas quando a coisa pode dar.
Ainda havemos de ver o dr. Júdice a aceitar, judiciosamente, um lugarzinho de ministro ou, quem sabe?, uma candidaturazinha à presidência, mais ano menos ano. Com o apoio do PS, pois então!
Isto de coerência em política, é, para muita gente, uma batata. Não tem ponta por onde se lhe pegue.
António Borges de Carvalho