SEGURANÇA E INFORMAÇÃO
Para “sua segurança”, você é filmado por câmaras de vídeo em repartições, supermercados, elevadores, etc.. Se telefonar à EDP, à EPAL, à ZON, à MEO e a mais uma infindável série de organizações, a sua chamada é gravada. Se for ao multibanco é, muitas vezes, filmado.
Isto quer dizer que há uns milhares de fulanos que sabem onde você foi e a que horas e com quem, até fazer o quê, que dinheiro levantou, que contratos fez ou deixou de fazer e em que condições – se não decorou o paleio dos meninos e das meninas dos centros de tortura (vulgo call centers), está frito, porque ficou gravado que o menino ou a menina disseram o que disseram (e podem prová-lo!), você é que é meio surdo, ou burro ou, pior ainda, quer fugir aos encartes.
Quem lhe quiser mal e tiver um amigo “magnético”, pode usar as informações que ele lhe der para lhe fazer a vida negra, etc., e ninguém apanhará o seu amigo, porque eles são tantos, tantos (às vezes estão na Índia, ou coisa do género), que jamais se saberá quem foi o bufo.
Mas se você for mandar umas pedradas à polícia, pode ficar descansado. A polícia só pode ter acesso ao que foi gravado após “edição” pelos profissionais da “informação”. Isto é, se você tiver um amigalhaço na TV, telefona-lhe e diz: ó Fulgêncio, edita lá isso à maneira, não quero que a bófia me veja! E o Fulgêncio, que é um gajo porreiro, lá corta a sua furibunda fuça a atirar coqueteiles molotov. Se a polícia de investigação quiser ver as gravações au complet, terá que ser por ordem de um juiz. Mas as outras, as “editadas”, onde você se calhar até está, são do domínio público, porque a TV não as “editou” e as pôs no ar.
Por outras palavras, os profissionais da "informação" têm muito mais poder que os polícias ou os juízes, e até é do seu exclusivo critério divulgar ou não situações de flagrante delito, ou de só divular as que lhes der na gana, e ao público, porque, aos investigadores, nem por sombras!
Mais. Põe-se em causa, com fortes “argumentos” jurídicos, a legitimidade de a polícia gravar seja o que for! O senhor Bava, o senhor Belmiro, o gerente do banco ou o porteiro lá do prédio estão autorizados a seguir-lhe os passos e a gravá-los, em vídeo ou som, “para sua segurança”. Mas a polícia não pode, para sua segurança, filmar os que põem em causa... a sua segurança.
Para tratar destas matérias há para aí uma série de “comissões”, de “protecção de imagem”, de “dados” e de coisas do género. Todos, com certeza, bem pagos e cheios de critérios. Todos igualmente inúteis e parasitas, mas muito “modernos” e “indispensáveis”.
Esta a situação, que vem a propósito de um estranho episódio que hoje agita o país, em estertores de indignação. Um tipo qualquer da RTP resolveu pedir a demissão, cheio de brio profissional. Porque? Porque parece que apareceu, não se sabe onde, um DVD com as imagens dos vandalismos por ocasião da greve dita geral, dia em que não trabalharam os grevistas mais umas centenas de milhar de portugueses que os ditos impediram de trabalhar, isto no uso do sacrossanto direito de impedir de trabalhar os que querem fazê-lo.
Parece que o dito fulano, quando lhe disseram que o tal DVD andava por aí, sem que se saiba ao certo que contém, desatou em profissional frenesi e, perante a informação de que ia haver um inquérito por causa do assunto, ofendeu-se de tal maneira que se demitiu do cargo.
Ao IRRITADO é soberanamente indiferente que a polícia tenha visto tudo ou só o que os donos da “informação” determinaram que visse, que o DVD exista ou não, que contenha o que contiver, que seja preciso um juiz para ordenar a coisa (a troco de uns cobres, os arquivos da RTP, normalmente, fornecem o que qualquer macaco lhes pedir), que haja inquérito ou não haja, que a polícia veja o que quer ver (diz que não quer ver nada, para alimentar a bagunça) ou não veja cosa nenhuma, ou que o tal artista se demita ou deixe de se demitir.
O que não é indiferente é saber que o que sabe ou deixam que saiba é o que o demissionário e quejandos têm o direito de lhe dar ou não dar a conhecer, isto acima e para além de toda e qualquer autoridade que não a dos próprios.
O que não é indiferente é que o IRRITADO, como todos nós, seja vigiado por qualquer bicho careta, seja ele o porteiro, a menina do call center, o Bava, ou outro marreta qualquer.
O que não é indiferente é que as mais normais e comezinhas atitudes do cidadão comum sejam objecto de uma chusma de big brothers, e que as imagens de vândalos e díscolos de vária ordem tenham protecção legal, policial e “informativa”.
Só mais um pequeno apontamento. Se o cidadão comum, lá na empresa onde trabalha, resolver demitir-se, vai para a rua e acabou. Se não queres fazer o que a empresa te encarregou de fazer, vai bugiar! Na RTP não é assim. Aqui há tempos, o insuportável piscador de olho que, aliás legitimamente, está rico a vender livrinhos de histórias, qual prima dona, demitou-se de RTP por razões que a razão – o senso comum – desconhece. Foi embora? Nem pensar! Continuou empregado e bem pago. A este, que ontem resolveu bater com a porta em tremuras de “honra”, ou me engano muito ou demitiu-se uma ova; vai continuar bem empregado e bem pago.
É assim o Estado, as empresas públicas, o garrote económico, a mordaça informativa. Então, que venham as reformas! Não a dos demissionários, a do Estado!
22.11.12
António Borges de Carvalho
E.T.
23.11.12, 11 da manhã:
Abro o Sapo:
a) Afinal a polícia pediu as imagens a toda a gente. Ontem, não tinha dito a verdade.
b) A AR vai pôr 20 câmaras de vigilância à volta do edifício. Para quê, se não servem para a polícia identificar os desordeiros? Terão as imagens que ser "editadas"? Por quem? Para quê? Será que só servem para haver uns tipos a vender as câmaras e ganhar algum com isso? Verdade seja dita: se for só para isso, já valeu a pena, não é?