JUIZES AO ATAQUE
Um grupo de doutos e ilustres juízes resolveu unir-se para tratar de proporcionar aos cidadãos uma Justiça mais célere, uma nova confiança, um melhor serviço.
Nobre intenção. Altos sentimentos.
Um dos promotores do movimento declara que “Vamos mudar a Justiça, doa a quem doer, incomode a quem incomodar”.
Até aqui, tudo bem.
O mesmo senhor diz há em Portugal uma perigosa tendência dos órgãos de soberania para governamentalizar a Justiça e para tirar aos juízes a independência que, constitucionalmente, lhes é garantida.
Acredito nas razões que assistem ao senhor para dizer o que diz.
O problema é que o mesmo senhor declara que “os juízes são titulares de um órgão de soberania”. Ora isto pode dar origem, ou ter origem, numa grave confusão. Os Tribunais não são um órgão de soberania. Órgão de soberania é cada um deles, na estrita medida do exercício da função de julgar. É o que diz a Constituição, e outra coisa não podia dizer sem criar uma confusão dos diabos.
Os senhores juízes, enquanto classe, ou enquanto integrantes dos Tribunais, não são órgão de soberania de espécie nenhuma, não competem com outros órgãos, não têm a mesma origem. Cada juiz, ou cada Tribunal, é soberano para julgar. Mais nada.
Quando a Constituição diz que os tribunais são independentes, quer dizer que cada Tribunal é independente, e não que há um órgão de soberania constituído por uma espécie de colectivo dos tribunais, concorrente, ou em pé de igualdade, ou de natureza análoga a outros órgãos de soberania. Cada Tribunal é independente e irresponsável, para poder julgar sem constrangimentos. Mas não há nada que “soberanize”, ou “independentize”, ou “irresponsabilize” uma entidade mais ou menos abstracta que dê pelo nome de “tribunais”, ou de "juizes", e que tenha uma vida própria e independente enquanto tal. Confundir a independência de julgar com independência administrativa, corporativa, ou de outra qualquer natureza, é um erro clamoroso e perigosíssimo. Pelo menos tão grave como “governamentalizar” a Justiça é “judicializar” a governação.
Se os senhores juízes se unirem para dar à classe um novo arranque, uma nova alma, um novo sentido de responsabilidade, um savoir faire mais profundo e, com isso, cada Tribunal possa passar a ter condições para prestar os seus serviços com maior liberdade, maior eficácia, maior celeridade, que venha a associação dos ilustres e doutos juízes ajudar o país a sair do atoleiro em que, nesta matéria como noutras, se vai afogando.
Para isso, terão os doutos juízes que partir de ideias claras, não de confusões conceptuais. Para isso, terão que valorizar os colegas, e não chafurdar no ambiente sindical em que, ignorando a dignidade formal e material da sua profissão, vêm vivendo.
Se querem prestar um serviço à comunidade, sejam bem-vindos e louvados. Se vêm adubar a pessegada, obrigadinho.
António Borges de Carvalho