INTERNET E LIBERDADE
Segundo o “Economist”, o regime chinês recuou na sua intenção de obrigar os “bloggers” locais a registar o seu nome enquanto autores e responsáveis pelo que publicam na rede.
Haverá quem tenda a saudar esta atitude “liberal”. À primeira vista, com toda a razão. No entanto, se pensarmos um pouco, veremos o que há de precipitado e inquietante no aplauso. Considerar legítimo o direito de cada um poder escrever e publicar o que lhe apetece a coberto do anonimato, não tem nada de liberdade, ou de liberdade liberal. A liberdade liberal é responsável, aberta, frontal ou, no actual jargão da correcção, uma liberdade “transparente”.
Não nos preocupará muito o que façam os chineses a este respeito. Num regime comunista, ditatorial e sanguinário como todos os regimes comunistas ou aparentados sem excepção, até se poderá achar útil que a opinião, garrotada pelo regime, tenda a, legitimamente, se exprimir de forma anónima.
O que se torna aterrador é que, do lado das sociedades liberais, se tenda a considerar positivo que, a coberto da Internet, seja possível e desejável que tudo se possa dizer, fazer, publicar, sem que os alvos de tais actos possam saber quem os pratica. O anonimato é um dos cancros da chamada sociedade da informação. A Internet inaugurou o anonimato global e autorizado, o que é a mais imoral, e antiliberal, das “morais” públicas.
Ser-se quotidianamente bombardeado por informação não querida, a que, muitas vezes, nem sequer se pode responder, ser-se levado, por sítios consultados de empresas oficialmente registadas e até do Estado, a pedir informações que não ficam registadas em parte nenhuma, assim impedindo o expedidor de usar o que escreveu em caso de diferendo, ser o endereço de cada um, enquanto dado pessoal, fornecido a terceiros por sistemas electrónicos que não pode controlar e aos quais não tem acesso, são evidentes atentados à liberdade individual e ao seu livre uso.
Não sei como se pode resolver este tipo de problemas, o mais grave dos quais é o de, na falta de solução, se vir a considerar legítimo aquilo que o não é.
A Internet, que poderia ser um precioso instrumento para o exercício da liberdade, tende a transformar-se no contrário.
Farão os chineses como entenderem.
Por cá, continuará o Irritado, de braço dado com uma dúzias de palermas, a não ser anónimo.
António Borges de Carvalho
N.B. Usa o Irritado avisar dos seus posts, por email, uma lista de “correspondentes”. Ça va sans dire, mas quem quiser sair de tal lista, mais não terá que avisar. O Irritado pede desculpa a todos os que, sem o ter solicitado, recebem tais mensagens.