MANIQUEISMO
Ainda que publicada há já uma semana, a última diatribe do mais asneirento de todos os portugueses, Mário Soares, talvez mereça uma despretenciosa “análise”.
Se você ainda não emigrou, ainda não se suicidou, está, sem dúvida, desesperado, diz-nos o brilhante raciocínio do autor. E, se não estiver em nenhumna destas condições, conclui, você faz parte de uma minoria esmagadora. É que, ainda que todos os especialistas, politólogos, psicólogos, sociólogos e outros ólogos garantam que os suicídios pouco ou nada têm a ver com a crise, e nem sequer aumentaram, o nosso homem acha que o governo está a condenar-nos, maioritariamente, a pôr uma corda ao pescoço e ir desta para melhor. Ou então, se não queremos emigrar, ou nos desesperamos irremediavelmente, ou nem contamos para nada, porque somos uma ínfima minoria.
Depois, queixa-se que o governo nunca explicou nada a ninguém. Se tivesse explicado, tudo estaria bem, o desemprego deixava de ter importância, a falta de dinheiro também, os impostos malucos a mesma coisa. Trata-se de falta de explicações. Deve ser por isso que o homem ainda não percebeu o que se passa, nem quem causou o que se passa.
Depois, o nosso grande educador debruça-se, com altos elogios, sobre os comandos do Carlos, que se dedicam, por dois tostões, a conquistar horas de “informação” quando põem meia dúzia de gatos pingados a receber os ministros, o PR, e tudo o que seja legítimo nesta terra. Além disso, acha o homem que, ao proteger órgãos de soberania, a polícia está a abusar, a “bater nos portugueses”, ainda por cima “com crescente força”. Para a opinante criatura, o Carlos, para além de ganhar tempo de antena, devia armar os seus sequazes e a polícia devia incentivá-los para a porrada, em substitução dos gritos histéricos e dos cartazes estúpidos.
Toda a gente sabe, na opinião do fulano, que o governo “só tem cometido erros”. Ou seja, o governo não está metido na camisa de onze varas, e Varas, que os amigos dele fabricaram, o governo está-se borrifando para o povo, entidade a quem “não passa cartão”. Vá lá, também põe algumas culpas à troica e aos “usurários” que estão a dar cabo da Europa. Mas, e aqui é que bate o ponto, o governo também desagrada aos “abastados”, isto é, ao próprio Soares que, além de abastado, passou a vida a fazer fretes aos colegas. Em conclusão, “os portugueses, em grande maioria, “gritam” que o governo deve demitir-se “a bem ou a mal”. Vasco Lourenço, das profundezas da sua boçalidade, não diria melhor. Esta classe de “pensadores” não consegue perceber que uma coisa é o nosso descontentamento, outra é a inexistente “maioria” que quer o governo na rua, “a bem ou a mal”, coisa que, dizem as sondagens, há, pelo menos, 80% dos portugueses que não querem. Mas as “maiorias” que se formam na cabeça do homem são as únicas autênticas, porque são consequência dos seus maus sentimentos e das suas caducas meninges.
E lá vem a peregrina argumentação do fim da “nossa jovem democracia” - objectivo final e “consciente” do governo - que vai entrar em “colapso”. A democracia, para a pervertida, oportunista e demagogissíssima mente do inqualificável geronte, é o estado social, os sindicatos, o ambiente, o mar e, vá lá, os partidos políticos. Bela noção.
A tudo isto, o fantástico escrevinhador atribui até a pequena descida do CDS nas sondagens. É claro que não atribui ao mesmo a simultânea subida do PSD, certamente devida a uns milhões de tarados que ainda não perceberam o “raciocínio” soárico.
Não valerá o trabalho ir muito mais além. Fiquemos com mais este pensamento: “ou se está de um lado ou do outro”. Recuperada está a doutrina do Vasco Gonçalves e do seu patrão Cunhal. Afinal, de onde não haveria quem esperasse, vem a glorificação dos que, bem vistas as coisas, serão os verdadeiros pais das ideias soaristas, ora ressuscitados. Será verdade que a velhice vai buscar as referências da juventude?
25.3.13
António Borges de Carvalho