O CHEFE DA OPOSIÇÃO
Voltemos ao Conselho de Estado. Não faltam por aí “bocas” sobre o que lá se passou, sobre as presidenciais intenções, sobre quem se “notabilizou” na reunião. Como nenhuma foi desmentida, parta-se do princípio que são verdadeiras.
Sobre o “projecto” do Presidente, já se disse tudo, menos o que é provável. O provável é que o senhor, depois de muito batalhar, sempre a bater na rocha das ambições do PS, resolveu desistir da sua política de “consensos”. Não lhe valia a pena continuar a malhar em ferro frio. O PS recusa tudo o que não seja ser outra vez levado ao colo ao galarim, seja ao colo do Presidente, como fez com Sampaio, seja nos braços do CDS, que anda entretido com ameaças bacocas – para dizer o menos. Posto de parte qualquer compromisso, que seria melhor que um consenso, pensou o Presidente que talvez fosse possível encontrar, em termos de futuro, alguma réstia de patriótica objectividade. Não conseguiu. A “muralha de aço” lá estava para o impedir.
Como é do conhecimento público, quem mais se assanhou contra tudo e mais alguma coisa, foi o trio Sampaio/Seguro/Alegre. Nada de surpreendente.
Outra figura se “alevantou”, a merecer uns dizeres: o patrão do poder absoluto, do poder sem recurso nem fiscalização, um senhor que, até há pouco, era um desconhecido total e que, num golpe de génio, fez perceber ao povo quem manda: Sua Excelência o Presidente do Tribunal Constitucional, cujo nome o IRRITADO ainda não fixou mas cuja imagem o enche de pavor.
Ainda há quem, por não ter outro remédio e insistir na dignidade das coisas, ache que os juízes são, por definição, independentes e apartidários. Cruel engano, desta vez demonstrado ao mais alto nível.
O ilustre senhor dedicou a sua presença no Conselho de Estado a desancar, por escrito!, o governo e a ameaçá-lo de chumbar toda e qualquer iniciativa que não fosse do seu agrado político. “Contundente intervenção”, “muito crítica da política do governo”, “interpelação directa ao Primeiro-Ministro”, rezam as notícias. Coisa inesperada e original, a demonstrar à saciedade que o TC não é uma instância judicial mas um corpo político alinhado com a esquerda radical. Isto na voz do seu mais alto representante.
O tal juiz declarou há tempos que a Constituição contem “traços identitários”, que não serão perturbados pela “estridência do ruído externo”. Ficamos agora a saber que o socialismo faz parte dos nossos “traços identitários”. Ficamos a saber que vivemos numa democracia coxa, marreca, zarolha, garantida pelo Tribunal Constitucional, e que o socialismo não é uma doutrina política mas um elemento da nossa identidade. A nossa identidade, no parecer do magistrado em questão, não é, ou não é só o nosso nome, a nossa nacionalidade, as nossas ideias, a nossa maneira de viver e de estar, as nossas opiniões. Não, no parecer de Sua Excelência, o que nos identifica é o socialismo, o socialismo é constitucionalmente obrigatório e lá estará ele e os seus para zelar, sem apelo nem recurso, pela nossa identidade! T’arrenego!
O douto jurisconsulto não deixou os créditos do socialismo por mãos alheias: criticou o PM com virulência, atirou-se ao discurso que ele fez depois das decisões de inconstitucionalidade, como se não fosse verdade que o TC causou ao país um problema até agora insolúvel, como se não fosse verdade que o PM tem todo o direito a dizer que não concorda com decisão, como se o TC tivesse sido imparcial, como se o “estado de emergência” com que toda a gente esgrime quando se trata de dizer mal do governo não estivesse, ele também – se calhar por engano – na Constituição! Está, mas quando se trata de fazer política de oposição, para que servem certas normas? Para nada. O que importa é acabar com este governo e pôr lá outro, que seja da nossa cor.
Esta a independência do poder absoluto do TC, absolutamente demonstrado e confessado no Conselho de Estado.
O oco, como toda a gente sabe, não passa de um rapazito ambicioso e primitivo. Ao Alegre já não há quem ligue. Sampaio está na prateleira, embora continue a ser pernicioso. Soares, por mais que esbraceje inconsequências, já não conta. O verdadeiro chefe da oposição, declaradamente, é o Presidente do TC, senhor de ciência certa e poder absoluto. Nós somos os parolos que aturam isto e que, muitos que não o IRRITADO, ainda acreditam que a Constituição presta para alguma coisa que se veja.
25.5.13
António Borges de Carvalho