COMPLICALIS
No português iletrado que soe ser usado pelos jornais/rádios/televisões e outros, titulava o “Expresso”, numa pequena local: Provedor aconselha governo face ao ruído (sic!).
Referia o artigo que o Provedor de Justiça anda preocupadíssimo com a poluição sonora, coisa tremenda a que os municípios pouco ligam e que não é contemplada com as verbas que merece, nem com os recursos humanos e técnicos necessários à perseguição dos barulhentos cidadãos.
Muito bem. Só que não é verdade que faltem verbas, ou técnicos ou recursos humanos. Estes, é de pensar, não serão técnicos, isto é, tipos que, não percebendo nada do assunto, desempenharão tarefas de chefia, de assistência administrativa ou de auxílio indiferenciado, para não falar em motoristas, secretárias e contínuos.
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Um fulano que o IRRITADO conhece tem uma loja de cabeleireiro. Anda há uns seis ou sete anos a tentar obter o licenciamento camarário para a sua loja, que funciona na perfeição mas não possui o almejado papelucho da CML.
Aqui há anos, dizia-me o homem que estava muito aliviado porque o Costa tinha inventado um sistema, a que dera o nome de “Simplis”, coisa que garantia licenciamentos rápidos e desburocratizados. O resultado de tão meritória iniciativa foi ter que contratar engenheiros das mais variegadas especialidades, arquitectos de interiores e exteriores, electricistas, canalizadores, todos eles destinados a projectar e descrever tecnicamente o que já estava, com a maior das perfeições, executado há que eras.
Satisfeitas que foram, durante anos, as exigências do “Simplis”, o homem sentia-se na recta final do difícil trajecto técnico, leia-se burocrático.
Baldada esperança. Faltava uma coisa: o “estudo” do ruído. É que, como é do conhecimento público e, com certeza, do Provedor de Justiça, os cabeleireiros são actividade extremamente ruidosa. Os secadores de cabelo fazem mais barulho que um martelo pilão, as tesouras assemelham-se a caterpílares, o ensurdecedor matraquear das latas de laca a assoprar cola só é comparável ao dos canhões de Navarone, etc. Por isso, a CML, para "simplisficar" a vida ao homem, obrigou-o a receber a visita de uma missão técnica que vai julgar da situação, inspecionando o local, indo ao andar superior verificar a transmissão de ruídos através da placa de betão armado que o separa da loja, para o efeito produzindo barulheiras e medindo-as à chegada ao piso em causa, etc.
Como se vê, o Provedor não tem razão. Não faltam técnicos, nem recursos humanos, nem dinheiro – é o cidadão que paga a inspecção a que o obrigam! Nem falta preocupação dos municípios com a poluição sonora, designadamente a provocada por esses ruidosos infernos que são os cabeleireiros.
E terá o homem muita sorte se, a seguir, não vier um tipo do Instituto da “Qualidade”, a EPAL, ou outros sátrapas quaisquer, descobrir que a porca de três oitavos da torneira do lava-cabeças devia ser de meia polegada, que o disjuntor da máquina de lavar o chão tem 40 ohms em vez de 30, ou outra coisa qualquer que faça parte do “Simplis”.
O Provedor está enganado. Quem sabe da matéria é o Costa, com certeza na nobre intenção de arranjar emprego e “utilidade” para milhares de funcionários e “técnicos” que, coitados, têm o “direito” de infernizar a vida do cidadão, a fim de nos tornar a todos mais felizes e de aumentar a nossa “qualidade de vida”.
Assim é que é, ó Costa, o “Simplis” é qu’induca!
1.7.13
António Borges de Carvalho