PREPARADOS PARA TUDO
Há pouco mais de trinta anos, com a empenhada colaboração do escrevinhador destas linhas, fundou-se o sistema de equilíbrio de poderes ainda em vigor.
Uma das linhas mestras da revisão de 82 (mais de um ano de trabalho diário de 36 deputados) foi criar um sistema em que não coubessem governos “de iniciativa presidencial”.
Décadas passadas, andam os jornais cheios dessa coisa. Mais grave é que ainda não se ouviu um só “constitucionalista”* vir testemunhar sobre o que é o sistema no que a tal diz respeito, a começar pelo auto proclamado “pai” da Constituição (vai chamar pai a outro!), o inefável católico esquerdófilo Miranda. Brada aos céus.
O Presidente da República, que, nas suas memórias, se fez eco da inconstitucionalidade de tais governos, veio agora, no charadismo da sua tresloucada comunicação ao país, dizer que, sem acordos e sem eleições antecipadas, “há outras soluções constitucionais”.
Não há quem não pense que, na circunstância, outra coisa não resta senão o tal governo a que o PR descrevia como impossível, ilegítimo e inconstitucional.
A não ser que Cavaco se desdiga a si próprio, ninguém perceberá quais sejam tais “soluções”. A alternativa constitucional é só uma: aceitar o acordo da coligação e a aceitável estabilidade que promete. Ou dissolver o Parlamento e convocar eleições, mesmo sem razão para tal.
Tudo o resto são fantasias, tão dignas de “compreensão” como o presidencial discurso.
De qualquer maneira, ponham-se a pau. Com tanta propaganda nos media, com tanta falta de memória dos “constitucionalistas”, com o silêncio cúmplice do Tribunal Constitucional, não estamos livres de ver o Presidente tirar da cartola alguma figura “indiscutível”, para formar um “governo de iniciativa presidencial”. Foi o que fez Eanes com a Pintasilgo e o Nobre Guedes – coisas que estarão na má memória de alguns. Mas Eanes, quando o fez, tinha poder para isso. Cavaco não tem, e foi o próprio a dizê-lo.
Enfim, nesta pobre terra, devemos estar preparados para as mais rocambolescas loucuras. Preparados para os Portas, para os Cavacos, para os ocos, para o que der e vier. Paciência.
13.7.13
António Borges de Carvalho
* Por falar em "constitucionalistas", ocorre lembrar a doutíssima opinião da dona Moreira, (auto)proclamada especialista na matéria, a qual veio declarar, de ciência certa, que ao PM não cabe aceitar ou deixar de aceitar a demissão de um ministro. Ficamos a saber que a rapariga não é só tonta, também é burra e ignorante.