14 DE JULHO
Vemos na TV, mais uma vez, as castrenses comemorações, em França, de um não evento, ou de um evento de pernas para o ar: o 14 Juillet. Não um evento real, mas cheio de significado formal, ou patriótico, para os franceses.
A queda da Bastilha não libertou “povo” nenhum (os mais dos pouquíssimos presos eram aristocratas) nem merecia a fama que as conveniências lhe atribuíram. Puro engano.
A História, muitas vezes, é feita destas histórias. Não é adquirido que Colombo descobriu a América?
A chamada Revolução Francesa (reconheça-se que de consequências colossais, boas e más, na vida do mundo), depois de 1789 depressa mergulhou numa sangueira desmedida e numa monumental bagunça, que viria a desembocar no poder ilimitado de um sargento, Bonaparte, que poria a Europa a ferro e fogo e causaria inumerável mortandade.
Et pourtant… os franceses ainda hoje, quiçá para sempre, glorificam o ditador guerreiro, o conquistador da Europa, o vencido da Península, da Rússia e de Waterloo. Ainda hoje, quiçá para sempre, os franceses e os estrangeiros são obrigados a curvar-se perante o seu glorioso túmulo. Ainda hoje, quiçá para sempre, o mais conhecido centro de Paris é ocupado com o arco do triunfo do vencido, as principais avenidas da cidade têm o nome dos seus generais, os museus estão cheios das suas pictóricas glórias. Ainda hoje, quiçá para sempre, o sanguinário imperador é tido nas escolas como um herói, o grande reformador do Estado, o professor de administração pública, uma espécie de Carlos Magno après la lettre.
Cabe aqui uma homenagem aos alemães. Também eles tiveram o seu conquistador da Europa, o seu reformador do Estado, o seu herói sanguinário. Também eles, a dado momento, o terão maioritariamente seguido. Mas procuram dar ao canalha o destino histórico que merece, envergonham-se dele, assumem os problemas que causaram, não se orgulham deles nem do seu autor, antes pelo contrário, mais do condená-lo ao caixote do lixo da História, criminalizam quem ainda insista em estimá-lo.
À nossa ínfima dimensão, também temos “histórias” destas metidas na História. Não é o que passa com a I República, comemorada como se não tivesse sido uma desgraça, antes fosse um avanço? Não se anda para aí a incensar o Cunhal?
Pois bem. Curvemo-nos, como os franceses, perante certos “heróis”. Comemoremos o mal como se de bem se tratasse.
Mas haja quem, de vez em quando, denuncie certas trafulhices históricas, ainda que por isso possa ser quase unanimemente condenado.
15.7.13
António Borges de Carvalho